Ao navegar pelas páginas de crowdfunding (as vaquinhas virtuais), é possível encontrar os mais diversos tipos de campanha solicitando ajuda financeira. Entre todas, sobressai a de saúde – voltada principalmente para tratamentos médicos -, que chega a corresponder a 40% das mobilizações nas plataformas.

“Porque têm caráter de urgência. As pessoas que ajudam se solidarizam com a campanha ou já passaram por algo parecido. Além disso, todo mundo sabe que as despesas (com tratamento) são muito caras”, explica Fabricio Milesi, CEO e fundador da Vakinha, empresa criada em 2009 que já realizou mais de 600 mil campanhas em diferentes categorias. A estimativa da empresa é que de 30% a 40% das ações sejam nessa área.

Os pedidos pessoais, incluindo solicitações de tratamentos, correspondem a 30% das mobilizações na plataforma Kickante, lançada em 2013. “Já são mais de 200 mil brasileiros buscando a plataforma para realizar seus sonhos mais variados. (Entre as campanhas) 30% são causas (tanto pessoais quanto ONGs), 30% são projetos criativos e 40% são empreendimentos variados”, detalha Candice Pascoal, CEO da empresa. Segundo ela, os pedidos de saúde são os que criam mais comoção. “São os que mais captam. O povo se solidariza muito.”

ELA

Há quatro meses, o personal trainer Bruno Flosi, de 34 anos, foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença rara neurodegenerativa. Amigos de infância resolveram, então, organizar uma vaquinha online para ajudar no pagamento das terapias e na adaptação da casa dele. “Toda essa campanha que está sendo feita é para fisioterapia, fonoaudiologia, nutricionista. Estou mudando todo o quarto dele. A doença não tem cura – e é cara, rara e cruel -, mas o tratamento retarda os sintomas”, diz a terapeuta de autoconhecimento Marlene Pereira Camargo, de 55 anos, que é mãe do personal trainer.

Com a campanha virtual, foram arrecadados cerca de R$ 34,5 mil. Para Marlene, foi um alívio. “Quando você recebe uma sentença dessas, esse apoio faz com que o nosso chão não caia. O apoio afetivo e emocional é muito valioso. Isso dá força para a gente seguir em frente, não é só o dinheiro.”

Em apenas três dias, a contadora Ayla Filgueira Woth, de 28 anos, conseguiu arrecadar os R$ 20 mil que precisa para completar o pagamento de uma cirurgia que deve fazer em setembro. Diagnosticada com uma endometriose que atingiu o nervo ciático, ela sente dores fortes desde o fim do ano passado. Já se submeteu a duas cirurgias, mas o problema não foi resolvido. “A dor é enlouquecedora. Não consigo ficar sentada.”

Segundo ela, o procedimento vai custar R$ 36 mil, mas pediu apenas parte do valor. “Uma amiga insistiu para que eu fizesse a vaquinha, mas foi difícil expor a doença grave, a minha situação financeira. Nunca pedi dinheiro emprestado. Eu e meu marido estávamos pagando consultas, exames caros.”

A campanha ainda está aberta e, além de ter superado a meta, ela diz que foi surpreendida pelo apoio que tem recebido. “Pensava que as pessoas fossem fazer questionamentos negativos sobre tudo isso, mas recebi mensagens de pessoas emocionadas, falando que eu não merecia passar por isso.” Ela pretende, no futuro, doar o mesmo valor que recebeu para alguma instituição como forma de retribuir a ajuda.

Transparência

Pesquisadora do Laboratório de Estudos da Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Andrea Jotta diz que vários cuidados devem ser tomados ao se criar uma vaquinha online tanto com o paciente quanto com a transparência da mobilização. “A vaquinha vai fazer a pessoa se sentir bem, mas não substitui estar ao lado dela.”

A pesquisadora diz ainda que, quem recebe a ajuda, tem de ser responsável e transparente para evitar que a corrente de solidariedade seja rompida por causa de atitudes incorretas. “Quem doa ajuda. Quem recebe fica bem. Isso tem de ser muito honesto. Quando está pedindo, a pessoa é responsável pelo sentimento que vai causar no outro.” Ela observa que o financiamento coletivo pode ajudar a trabalhar habilidades que ficam esquecidas no dia a dia. “Vai treinando a solidariedade e a empatia. A gente acaba esquecendo de ser solidário e a virtualidade abre esse espaço.”

Em alta

As campanhas de financiamento coletivo de diferentes campos têm crescido nos últimos anos. O Catarse, plataforma em atividade desde 2011 que já teve mais de 10,4 mil projetos apoiados – a maioria do ramo de livros -, registrou um crescimento de 35% entre as pessoas que fizeram mais de um apoio por ano em 2018. Entre as que participaram mais de dez vezes, o aumento foi de 290%. “(As vaquinhas) tiram do papel e trazem ao mundo projetos criativos e de impacto”, diz Rodrigo Machado, cofundador e CEO da empresa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.