06/11/2017 - 10:51
A paranaense Rosângela Moro pode até ser mais conhecida por ser a esposa do juiz Sérgio Moro, responsável pelo julgamento em primeira instância dos crimes investigados na Operação Lava Jato.
No entanto, a advogada de 43 anos, discreta no que diz respeito a assuntos pessoais, desenvolve um trabalho que pouca gente conhece e ao qual ela se dedica tanto que lhe rendeu recentemente uma bela premiação.
Rosângela está envolvida na defesa dos direitos dos pacientes com doenças raras no Brasil. São assim classificadas enfermidades que atingem até 65 em cada 100 mil habitantes.
No País, trata-se de um contingente de cerca de treze milhões de indivíduos nessas condições. Suas batalhas começam já na dificuldade para obter o diagnóstico e continuam na falta de acesso aos tratamentos. Normalmente de custo elevado, os remédios indicados contra as patologias em geral só são fornecidos depois de ações judiciais contra operadoras de saúde ou contra o Estado. Porém, mesmo após as vitórias na Justiça, muitas vezes os pacientes demoram meses para receber os medicamentos, situação que coloca em risco a vida de cada um deles.
O apoio de Rosângela à causa conferiu a ela o título de homenageada do ano pela Casa Hunter, Associação Brasileira de Doença de Hunter e outras doenças raras. Na entrevista a seguir, a advogada defende, entre outras coisas, o acesso mais fácil dos pacientes a remédios que, embora não tenham sido liberados no Brasil, são aprovados por agências internacionais respeitadas e comercializados no Exterior. “Impedir o paciente de ter acesso à medicação é condená-lo a não ter uma chance de brigar pela vida“, diz.
ISTOÉ – Quando a sra. começou a se envolver com a questão das doenças raras e as dificuldades de acesso aos tratamentos a essas enfermidades?
Rosangela Moro – Foi a partir de 2008, quando tive contato com uma associação de pacientes de uma dessas doenças. Desde então comecei a ser procurada por pessoas que buscavam ajuda para obter os remédios. É um tema árduo, doloroso. Temos que chamar a atenção da sociedade para ele.
ISTOÉ – O que mudou nesse cenário desde então?
Rosangela – Houve avanço nas pesquisas científicas, o que permite melhor diagnóstico. Cresceu a demanda por diagnósticos precisos e pelos tratamentos, mas esses processos ainda são muito difíceis.
ISTOÉ – Hoje há um intenso debate sobre a chamada judicialização da saúde (demanda na Justiça por exames e tratamentos). Os pacientes aguardam a retomada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do julgamento dos recursos que discutem o acesso aos medicamentos de alto custo por decisão judicial (tanto os não incluídos na lista do SUS quanto os ainda não aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa). Qual a sua expectativa em relação à decisão a ser tomada?
Rosangela Moro – Temos que confiar no Supremo. Não quero acreditar que o tribunal vá negar o acesso. Creio que os juízes estabelecerão critérios para o fornecimento, dentro do princípio da razoabilidade. É preciso ter o diagnóstico confirmado, verificar se o medicamento é mesmo necessário. Acredito que o STF não vai se furtar a deferir em favor do paciente quando a necessidade da medicação for realmente comprovada.
ISTOÉ – Mesmo em relação a drogas não aprovadas pela Anvisa?
Rosangela Moro – Presume-se que o registro na Anvisa ateste que o medicamento é eficiente, seguro e não experimental. Em que pese o anseio das famílias, o Judiciário não pode compactuar. E se remédio solicitado e sem registro na Anvisa depois não se comprovar eficaz, seguro ou, pior, agravar as condições do paciente? Mas, muitas vezes, a droga não está registrada na Anvisa, porém fora do País não é mais experimental e tem liberação das agências reguladoras. Não é crível pensar que órgãos como a Food and Drug Administration
ISTOÉ – O que deveria ser feito em casos assim?
Rosangela Moro – É necessário saber por que a Anvisa não regularizou a medicação ainda. A saúde é um bem maior. Se há um medicamento lá fora de eficácia comprovada e a agência brasileira está demorando a apreciar sua liberação, o Judiciário não pode negá-lo ao paciente. Impedi-lo de ter acesso à medicação é condená-lo a não ter uma chance de brigar pela vida.
ISTOÉ – Na prática, sabe-se que, mesmo com liminares favoráveis, os pacientes têm dificuldades para receber de fato os remédios. Como vê esta situação?
Rosangela Moro – O poder público não compra o medicamento. Isso é muito sério. Às vezes, é muito mais grave interromper o tratamento, inclusive. Falta ao Estado o entendimento de que a saúde é um direito assegurado que precisa ser ofertado naquele momento. Ao mesmo tempo, vemos cenas como a registrada recentemente, com milhares de medicamentos vencidos indo para o lixo. Bilhões de reais indo para o lixo… Não consigo aceitar isso. É uma falta de planejamento impressionante.
ISTOÉ – De quem é a culpa?
Rosangela Moro – As competências são amplas, nas esferas federal, estadual e municipal. E o que vemos é um ente querendo empurrar a atribuição para o outro. Todos devem ter uma responsabilidade solidária. Precisam agir.
ISTOÉ – O poder público costuma argumentar que falta dinheiro para a compra de medicações de alto custo, que em geral beneficiam número pequeno de pacientes. Ou seja, que o cobertor seria curto e que é preciso priorizar o que será ofertado segundo a quantidade maior de beneficiados. O que acha dessa argumentação?
Rosangela Moro – Por que o SUS fornece medicamento para uma doença e não para outra? Contesto isso. Todos contribuem para os cofres públicos em maior ou menor grau. E em um país onde a corrupção está enraizada, é difícil acreditar que não exista recurso público para atender as demandas de saúde de todos.