No dia 23 de novembro, a psicóloga Francielli Galli, professora de Psicologia das Emergências e Desastres da UniRitter, universidade em Porto Alegre que integra a Rede Internacional de Universidades Laureate, fez mais uma simulação para treinar seus alunos a atenderem vítimas de catástrofes. Atores desempenhavam o papel de pais aguardando informações sobre seus filhos, que horas antes haviam embarcado para a China, onde participariam de uma feira de robótica, mas o avião havia desaparecido. Tempo depois, veio a informação de que os destroços da aeronave tinham sido encontrados e os pais deveriam ser confortados em sua dor. Seis dias depois da ação, o País amanheceu com a notícia da queda, na Colômbia, do avião que levava o time da Chapecoense. Acompanhada por uma colega, Francielli foi para Chapecó, em Santa Catarina. Desta vez para acolher de verdade familiares, amigos, funcionários do clube e torcida.

Foi a coincidência mais infeliz da carreira de Francielli. Mas o trabalho prévio como especialista no atendimento a pessoas que passaram por desastres e a coordenação das simulações – prática adotada com frequência na instituição -, deixou a psicóloga muito mais preparada para dar conta das demandas emocionais dos envolvidos diretamente na tragédia que entristeceu o mundo.

Em fatalidades desse tamanho, brotam em todos sentimentos extremos de dor, sensação de desamparo, medo. No entanto, como é de se esperar, as emoções e suas intensidades diferem de acordo com o grau de proximidade do trauma. Por isso, a ajuda para a recuperação da saúde emocional também é distinta e obedece a necessidade de cada um.

A atenção aos sobreviventes é especial. Nesta semana, voltaram ao Brasil os jogadores Alan Ruschel, Jackson Follmann e o zagueiro Neto. Ruschel seria liberado logo do hospital. Neto se recuperava bem da infecção pulmonar e Follmann, que teve parte da perna direita amputada, não tinha previsão de alta. Como ajudar pessoas que, como eles, serão obrigados a conviver com o luto pelos colegas que se foram, com o próprio medo e a necessidade de reconstrução de uma vida que em um segundo ficou completamente diferente? Seguindo um roteiro que tem como premissas a honestidade na comunicação dos fatos e a oferta contínua de auxílio. Até para evitar a instalação do que os especialistas chamam de culpa do sobrevivente. “O pensamento automático é o de ‘por que eu sobrevivi’”, explica a psicóloga Vanessa Eletherio de Oliveira, professora da Faculdade dos Guararapes (integrante da Laureate), em Recife. “Depois, o indivíduo pode sentir culpa, como se não fosse digno da própria sobrevivência.”

Fadiga por compaixão

Aos familiares em luto, há a imposição de que a informação sobre a morte seja feita em lugar mais reservado. O tempo de cada um, respeitado. “Se a pessoa não quiser falar, é preciso permitir isso e mostrar-se disponível para quando ela precisar”, diz Vanessa. Auxiliar na resolução de questões práticas – a organização do velório ou escolher quem pode ficar com o filho pequeno em casa – são de imensa valia também.

Diretamente impactados, profissionais como socorristas e enfermeiros precisam de acompanhamento inclusive para não desenvolverem a chamada fadiga por compaixão. “De tanto atenderem casos muito duros, eles podem criar uma proteção emocional, com risco de não ter mais empatia”, afirma a psicóloga Francielli Galli, de Porto Alegre. A eles é necessário também deixar disponível uma rede de atendimento psicológico onde possam buscar ajuda.

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O sofrimento causado pelas catástrofes é universal – impossível não ficar triste depois de ver vítimas de terremotos na Ásia, enchentes nos Estados Unidos ou deslizamentos no Rio de Janeiro. Porém, são os moradores da cidade atingida que sentirão mais. É neles que surgem com maior força questionamentos que costumam aparecer após desastres em todos nós. Entre eles, a constatação da fragilidade da vida e a urgência em valorizar melhor os bons momentos ao lado de quem se quer bem. Por esse motivo, nas localidades atingidas a manutenção de unidades para atender demandas espontâneas precisa ser de longo prazo. É comum, no entanto, um esforço inicial e depois o abandono das ações de suporte.

É um erro que precisa ser evitado no auxílio seja a quem for o personagem atingido. “Remover escombros e sepultar vítimas é só o começo da ajuda que a humanidade pode promover nesse período de intenso e duradouro estresse psíquico”, afirma o cardiologista Sergio Timerman, diretor nacional de Ciências de Saúde da Laureate.

AS BASES DA RECUPERAÇÃO

  1. 1. Tragédias como a de Chapecó atingem pelo menos quatro grupos distintos
    – Sobrevivente
    – Familiares e amigos próximos
    – Comunidade
    – Profissionais de saúde/assistência social
  2. 2. A abordagem psicológica difere de acordo com cada um

A) Sobreviventes
– O profissional se apresenta e informa a pessoa sobre onde ela está e o que aconteceu
– O paciente recebe os dados sobre seu estado de saúde
– É informado que sua família ou alguém de sua relação próxima foi avisada
– Espera as perguntas e responde honestamente de acordo com o que se sabe até o momento
– O acompanhamento deve ser de longo prazo. A assistência psicológica no primeiro ano é fundamental porque o período envolve datas importantes, como natal e dias das mães

B) Familiares e amigos próximos
– Apresentação do profissional ao indivíduo assistido
– Garantia de que o atendimento seja sigiloso e feito em lugar reservado
– Respeito ao tempo da pessoa se não quiser falar naquele momento.
– A intervenção não deve ser invasiva
– Apoio para articular auxílio na solução de questões práticas, como a organização do velório

C) Comunidade
– Instalação de rede de apoio emergencial que atenda demanda espontânea. Em geral, as pessoas manifestam sintomas de ansiedade (medo constante) ou de luto complicado
– Estabelecimento de apoio social de longo prazo para que os moradores não se sintam desamparados semanas depois

D) Equipe de saúde/assistência social
– Os profissionais que prestam atendimento também podem ficar abalados. Por isso, é preciso que o cuidado seja direcionado a eles se necessário
– O apoio deve ser oferecido não só para que as ações de prevenção e socorro sejam mantidas com qualidade, mas para que os profissionais tenham recursos psicológicos para lidar com as mais diversas formas de sofrimento


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