Fomos enganados, acredite em mim.

Esses mal intencionados donos das grandes redes sociais e de impérios tecnológicos nos convenceram que nossas vidas seriam muito melhores se nós todos nos conectássemos.

Todos nós, amigos, parentes, até você e eu, querido leitor, conectados para sempre.

Nos convenceram de que deveríamos empacotar os nossos relacionamentos profissionais e pessoais, nosso lazer, nossos planos, projetos e sonhos dentro de seus conglomerados.

Disseram que, pela primeira vez na história, o ser humano comum como você e eu, teríamos voz e poderíamos expor nossas opiniões para o mundo inteiro ouvir.

E com isso, seríamos muito mais felizes.

Tá. Vai nessa.

Depois de uns dez ou quinze anos dessa mudança sóciocultural, não me sinto muito mais feliz do que no passado.

Primeiro porque, sempre que eu decido falar nas redes sociais, ninguém me escuta.

Depois, “estar conectado” com o mundo não tem se mostrado ser uma grande vantagem já que, a cada dia que passa me convenço que o mundo precisa muito mais de mim, do meu tempo e do meu dinheiro, do que eu dele.

Não está nada equilibrada essa brincadeira.

Antigamente, meu jovem, éramos desconectados, mas a vida era simples.

Você acordava pela manhã e ia trabalhar.

No Metrô, lia o jornal do dia, com as notícias de ontem.

Uma vez no escritório, encontrava o chefe em sua sala, os clientes na sala de reunião, os colegas de trabalho no café.

Voltava para casa olhando a paisagem.

Beijava a mulher e os filhos, jantavam todos juntos e depois assistiam o jornal e a novela, que eram – pasmem – de graça.

Hoje tudo mudou.

Acordo e, ainda na cama, repasso todas as notícias do dia, da noite, da véspera e o que vai acontecer pelo mundo nas próximas horas.

Nem tiro a cabeça do travesseiro e já levo, garganta abaixo, um direto de direita de informações.

A caminho do trabalho, sem jornal para ler, eu poderia, quem sabe, conversar com o cidadão sentado ao meu lado no ônibus.

Isso, claro, se ele levanta-se os olhos da tela, num jogo que aparentemente tem como objetivo organizar guloseimas coloridas.

Ao chegar ao escritório, o chefe, os clientes e os colegas de trabalhos estão nos mesmos lugares que estão sempre: no WhatsApp.

Curiosamente, nenhum deles parece utilizar o mesmo sistema de horas que eu.

Mensagens apitam num fluxo interminável, que não respeita qualquer pausa que eu tente dar ao meu analógico cérebro.

No caminho de volta para casa, a paisagem é, de novo, as guloseimas na tela do sujeito ao lado.

Num momento de fraqueza, baixo o jogo e me junto ao exército de zumbis que ocupam a mesma condução.

Em casa, mulher e filhos estão cada um no seu canto.

Um deles pergunta no grupo da família, se alguém pediu comida.

É bem provável que quando a pizza chegar, cada um coma no momento e local que melhor lhe convier.

Depois de dez ou quinze anos dessa mudança sóciocultural, não me sinto muito mais feliz do que no passado

Quem sabe, no próximo sábado, nos encontraremos na sala.

Cansado, ligo a TV para assistir a um filme.

A TV não é mais de graça.

Numa conta assim, por cima, descubro que com o que gasto em assinaturas de serviços de streaming, poderia ter comprado um cinema pequeno no interior.

Não me levem a mal.

Nem imaginem que não admiro os avanços tecnológicos que vivemos hoje.

Mas tenho saudade, ora.

Saudade de um tempo em que você e eu não estávamos conectados.

Mas já que estamos, se tiver umas vidas aí do joguinho das guloseimas, por favor, me mande, ok?