Sartre, 120 anos: xarás de filósofo defendem ideais de liberdade

Durante as 35 horas de viagem no ônibus entre a cidade sertaneja de Central, na Chapada Diamantina, Bahia, e a capital federal, Brasília, o professor do ensino fundamental Sartre Gonçalves, de 25 anos, pensou um sem-número de vezes se a decisão de mudar de paisagem seria a mais correta. Antes, havia perguntado aos pais. O casal, com sete filhos, encorajou um a um. Ao jovem xará do filósofo francês, os pais lembraram a ele que Sartre era pensador da liberdade.

Este sábado (21), inclusive, é data que marca o nascimento de Jean-Paul Sartre (1905-1980), filósofo francês reconhecido pelo existencialismo, um pensador que escrevia  que a liberdade é a condição da existência humana.  O Sartre sertanejo, então, colocou em prática. “Meu pai escolheu meu nome quando Sartre e Simone Beauvoir (companheira de vida, escritora e intelectual francesa), visitaram Salvador.

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A estiagem na terra natal e o medo do amanhã fizeram com que o professor arrumasse as malas. Isso ocorreu em 1989. Atualmente com 60 anos, o agora funcionário público costuma palestrar sobre escolhas, decisões e responsabilidades. Para início de conversa, explica o que significa para ele o próprio nome. Sartre tem três irmãos com os nomes de pensadores: Simone, Marcuse (Herbert, filósofo alemão) e Marconi (Guglielmo, físico italiano).

Escolhas

A influência para vida docente foi legado do pai, Carlos. Sartre foi para o magistério e era apaixonado pelo poder transformador da educação. Em Brasília, continuou nesta carreira e até ingressou, por meio de concurso público, na Secretaria de Educação local.

“Sempre tentei conversar um pouco sobre filosofia. Tem gente que não entende meu nome e fica curiosa para saber mais. Eu aproveito.” 

Em Brasília, recorda, a demora para para aparecer um emprego foi de  seis meses, mas ele insistiu. “A ideia foi escolher e ficar”. 

Apesar da mudança, o professor Sartre afirma que mantém as raízes sertanejas e orgulha-se da ideia de que o sertanejo é um forte que luta pela sobrevivência. E ele repete em cada palestra: “a liberdade é questão de escolha, Mas também você precisa suportar as consequências das suas escolhas. O Sartre fala muito sobre isso”. 

Skatista-maqueiro

Pedro Sartre, maqueiro e skatista no Distrito Federal – Foto: Arquivo Pessoal

Outro xará do filósofo francês tem uma vida de correrias em diferentes estilos. Maqueiro de hospital público, Pedro Sartre, de 37 anos, que trabalha na região administrativa de Santa Maria, Distrito Federal, quando não está nos plantões, atua sobre rodas. Na verdade, sobre rodinhas. Ele tem um projeto social, o Espírito Livre, na cidade do Novo Gama, em Goiás, que ensina crianças em vulnerabilidade a praticar skate. As aulas são dadas aos domingos em uma pista pública. 

Para viabilizar os custos, montou com uma amiga skates com peças antigas. “De repente, o pessoal começou a me ligar. Assim, a gente dividia os skates para quem não tinha”. O maqueiro-skatista diz que a prática proporciona qualidade de vida, interação social e desenvolvimento psicomotor.

“Esta é uma atividade que ajuda, por exemplo, crianças com deficiência”, exemplifica. Ele conta que até os filhos (Eros, de 6, e Pérola, de 3 anos) já se equilibram nas rodinhas. 

Pedro Sartre diz que chega sempre animado para o treino, ainda que cansado do plantão como maqueiro. “É muito gratificante poder ajudar. Foi a minha escolha”. Aliás, a escolha do nome partiu do pai (Alberto, que teve 13 filhos), que era sindicalista e tinha ideais sociais e libertários. 

O pai morreu de covid com apenas 62 anos durante a pandemia. “Ele que me orientou a entender que as nossas escolhas dizem muito sobre o que a gente vive”. 

Existencialismo

As palavras de Pedro se coadunam com o pensamento do filósofo Jean-Paul Sartre, conforme explica o professor de filosofia Márcio Gimenes de Paula, da Universidade de Brasília (UnB), que pesquisa o tema do existencialismo. Segundo o professor, os alunos se interessam pelas ideias do famoso filósofo e fazem pontes com as temáticas dos dias de hoje.  “Cada vez que lemos um autor como ele podemos ter diferentes análises”, salienta.

O professor ressalta que Sartre foi um dos pensadores da filosofia mais reconhecidos e importantes do século 20 ao discutir temas que aturdiram a humanidade, como as guerras e a evolução dos direitos civis e diz que a presença de Simone de Beauvoir em sua vida também o influenciou sobremaneira. 

Márcio Gimenes atenta, entretanto, para o fato de que o pensamento de um intelectual como ele excede o período em que viveu.

“Foi além do seu tempo. Por isso podemos constatar a atualidade de seus escritos (também na literatura) no que vivemos hoje no século 21”. 

Conforme cita o professor, o pensamento aprofundado de Sartre pode dar margem, por exemplo, a discussões sobre escolhas humanas pela proteção, ou não, do meio ambiente, pelos cuidados com as redes sociais, a conquista da paz ou a vida em guerra.