Mohammed Abubakar Bambado é um homem ocupado. Acabou uma reunião com um cliente australiano no porto de Lagos e já é aguardado em seu palácio para uma audiência. Quando chega, seu iPhone toca pela enésima vez. “Desculpem, é uma emergência”, explica.

Depois de seu pai e de seu avô, é o terceiro “Sarkin fulani” de Lagos: um rei fulani no coração da movimentada capital econômica da Nigéria, cheia de arranha-céus e favelas, estradas de seis pistas e caminhos de terra batida. Mas, aos 49 anos, também é um empresário próspero e respeitado, e dirige uma grande empresa de estivadores.

A bordo de sua Mercedes 4×4 cinza metalizada, refuta a maioria dos clichês habituais, começando por dizer que queria que todos os fulani fossem fazendeiros. Ou a caricatura clássica sobre seu físico: nem tem pele clara, nem nariz aquilino, muito menos uma silhueta delgada. É um homem corpulento e de olhos doces.

Após beijar algumas crianças que faziam bagunça no pátio e colocar seu turbante tradicional de chefe, está pronto para começar a audiência. Senta no grande trono com apoio de braços adornados com imponentes cabeças de vaca douradas. Sobre sua própria cabeça está um chapéu de palha perfurado por um sabre.

A seus pés, todos se calam. O griot, indivíduo com o compromisso de preservar e transmitir a cultura de seu povo, vai chamando as pessoas e, uma após a outra, os homens se aproximam e ajoelham em sinal de respeito. Após uma breve oração, a audiência pode começar.

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Vieram até ali de chefes de bairro, vestidos com ternos e sentados em um grande tapete bordado, passando por empresários de corporações como os Okada – moto-táxis que dominam a megalópole de 20 milhões de habitantes- até os mendigos cegos que pedem esmola aos motoristas.

“Estou aqui para resolver seus problemas”, diz o chefe. E escuta. Um cambista foi sequestrado e assassinado pelos sequestradores. A família, que não confia na polícia, pede para que o influente chefe tradicional faça a investigação. E ele promete fazer.

As queixas continuam: brigas por terra, de família, ataques e assaltos a mão armada. “É um bom homem. Quando acontece algo grave, mesmo quando está viajando no exterior, sempre atende o telefone. Se faz falta, pega um voo de volta para Nigéria. Diretamente”, assegura Suleiman Ibrahim, sentado na última fila.

Todos os presentes têm um ponto em comum: pertencem à comunidade fulani-hausa, oriunda do norte da Nigéria, de maioria muçulmana. Essa comunidade representa cerca de um quarto da população de Lagos, em pleno país iorubá, etnia majoritária do sudoeste.

– Noz-de-cola e pepitas de ouro –

Os avós de Bambado, nascido em uma família instruída de muita fé, foram os primeiros migrantes que deixaram sua região árida do Sahel, a mais de 1.000 km de Lagos, no início do século XX.

O patriarca, um comerciante do Estado de Jigawa, viajava por todo o país para vender noz-de-cola e pepitas de ouro. Até o dia em que decidiu se instalar definitivamente na costa atlântica, em 1904.

“Pouco a pouco, se transformou em uma figura importante. Quando as pessoas do norte se hospedavam em Lagos, era ele quem os acolhia. Nessa época eram muito numerosos. E um dia decidiram que fazia falta um chefe: meu avô”.

O primeiro “Sarkin fulani” realizou várias atividades. Investiu na pecuária, “até mesmo abastecia de carne o exército nigeriano durante a guerra civil de Biafra (1967-1970)”, conte com orgulho seu neto.


O acesso ao mar é uma vantagem inegável para o comércio. O tráfego marítimo se desenvolve e o porto necessita de braços para carregar e descarregar os navios, que coincidência, justo quando os migrantes não paravam de chegar à cosmopolita Lagos.

O avô de Bambado funda uma empresa de manutenção portuária. E emprega seus “irmãos” como mão-de-obra. Com o título de “rei dos fulani”, a direção empresa é transmitida de geração em geração.

Quando seu pai morre, em 1994, Bambado, até então estudante de administração de empresas em Maiduguri (nordeste), assume o cargo. A Dockworth Services International Limited emprega na atualidade mais de 1.500 pessoas em Lagos, Calabar (sudeste) e Warri (sul).

O chefe passa “metade do tempo” em Londres ou em Dubai a negócios. Os fulani são um povo sem fronteiras. Do Senegal até a República Centro-Africana, seriam entre 20 e 40 milhões,divididos em cerca de 15 países. Mas Bambado não esquece suas origens, e se mantém leal à terra que o viu nascer. “Sou um lagosiense antes de tudo!”, costuma dizer.

É consciente também de que esperam por ele assuntos a tratar no pequeno palácio envelhecido de Surulere, bairro popular em que continua vivendo com a família e seus três filhos.

E, como bom fulani, nunca se afasta demais do gado: é proprietário de 300 vacas.


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