25/04/2020 - 7:00
“O slam era quase um futebol de rua. A galera gritava, se abraçava, era uma noite de festa. Agora não pode mais.” É assim que Emerson Alcalde se lembra das batalhas de poesia do slam da Guilhermina, na zona leste de São Paulo, antes da pandemia do coronavírus. Com direito a fogos, música e reflexões sobre a periferia, o sarau reúne artistas e entusiastas há oito anos, uma vez por mês, e precisou ser adaptado ao mundo virtual devido à quarentena.
“Nossos encontros presenciais costumavam ter 300 pessoas. Em uma noite boa, vinham umas 500. No digital, está sendo mais ou menos isso. (A live do YouTube) cai algumas vezes, pois temos que ter uns 10 poetas competindo. Então, estamos dividindo (as apresentações) em partes para a rede não ficar pesada”, conta Alcalde, que é um dos organizadores. “No online, é mais frio, mas, por outro lado, acaba vindo pessoas de várias regiões do País”, pondera.
Grande parte dos slammers é jovem de baixa renda e vive da arte para sobreviver, vendendo livros, recitando poesias nos trens ou cantando em locais públicos. Como tudo parou, a maioria está com dificuldades financeiras e a equipe do slam resolveu ajudá-los com prêmios em dinheiro a cada transmissão ao vivo, usando a verba que recebe do Programa Municipal de Fomento à Cultura da Periferia. O primeiro colocado das batalhas ganha R$ 250; o segundo, R$ 150; e o terceiro recebe R$ 50. “São pessoas que estão sem trabalho, numa situação social bem difícil”, diz Alcalde.
O participante Humberto Marques, conhecido como poeta Beká, fazia rimas de rap nos vagões do metrô para se sustentar e precisou devolver a casa onde morava, pois, com o baixo movimento, não tem mais condições de pagar o aluguel. “Voltei a morar com a minha mãe e a saída agora é ganhar algum dinheiro me expressando pela internet. O prêmio seria uma ajuda para alimentação e investimento no meu trabalho”, conta.
Já Tawane Teodoro vendia livros no slam e pela internet. Com a quarentena, seu lucro caiu pela metade. “Esse formato online é incrível, porque, além de a gente conseguir se expressar, ainda tem o incentivo financeiro. Conseguir divulgar o meu trabalho durante a pandemia é de extrema importância”, acredita. O canal do slam da Guilhermina no YouTube tem mais de 37 mil inscritos e as edições online ocorrerão toda última sexta-feira do mês, às 19h30, enquanto o regime de quarentena perdurar.
O Sarau Fique em Casa, criado por moradores de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, é outra iniciativa que está mobilizando a classe artística. Com encontros todos os sábados, às 19h, a atriz Carla Vanez reúne, por lives em seu Instagram (@carlavanez), profissionais de dança, música, teatro, artes plástica, circo, poesia e rap. “A arte durante a pandemia é ainda mais fundamental, porque é um respiro em meio à solidão do isolamento. Quis deixar o evento bem diversificado”, conta ela.
O projeto também visa ajudar comunidades pobres. No primeiro encontro, por exemplo, o artista plástico e ilustrador digital Pedro Souza pintou um quadro em tela durante as apresentações e mostrou ao final da transmissão ao vivo. A obra foi colocada em leilão com lance inicial de R$ 100. O valor será revertido para pessoas de baixa renda de um bairro periférico da cidade.
Apesar de os saraus serem palco da arte cênica na maioria das vezes, os livros também ganham espaço nesse meio. O sarau Vozes Negras, gerido por alunos e ex-alunos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), está funcionando por transmissões ao vivo pelo Instagram (@vozesnegras) e incentiva a leitura de produções literárias com temas afro e LGBTs.
Na primeira edição virtual, cerca de 100 pessoas participaram e houve o lançamento da obra Cadernos Negros 42, com textos de diferentes regiões do Brasil sobre relações afetivas, memórias familiares, violência policial e a vida em quilombos. As organizadoras pretendem fazer ao menos um encontro por mês durante a quarentena.
O próximo será em 19 de maio, às 17h. “Sempre estivemos atentas a temas da atualidade e agora não seria diferente”, afirmam. Pessoas negras de todo o País que queiram ler ou performatizar poesias podem participar. Músicas e contações de histórias também são bem-vindas.
Em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, a professora de violão e técnica vocal Carla Sette decidiu incentivar seus alunos a estudar música durante a quarentena ao criar um sarau online, com apresentações pela plataforma de vídeo Zoom. “O mais importante para os alunos de música é ter um público artístico para assistir e mostrar aquilo que aprenderam”, diz. As próximas edições virtuais serão divulgadas pela página @se77emusical do Instagram.
Embora os saraus estejam buscando alternativas na web, o Cooperifa, localizado no Jardim Guarujá, zona sul da capital paulista, decidiu adiar os eventos por tempo indeterminado. Conhecido como um dos movimentos culturais mais agitados e importantes da cidade, com apresentações do poeta Sergio Vaz, participantes chegaram a pedir uma transmissão ao vivo pelas redes sociais, mas os organizadores não se manifestaram até o momento desta publicação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.