Todo movimento com pendor autoritário tem sua massa de manobra e, dentro dessa massa de manobra, uma tropa de choque. São aqueles que se colocam na linha de fogo em nome da causa, os que literalmente batem e apanham, enquanto os líderes regem a valsa. O bolsonarismo não é diferente e Sara Winter, presa nesta segunda-feira em Brasília com mais cinco comparsas, tornou-se a face mais conhecida dessa hoste.

Dizer que Sara e seus 300 do Brasil são massa de manobra não significa isentá-los de responsabilidade. São todos adultos cientes das possíveis consequências do que fazem. No entanto, é preciso entender que eles não existem no vácuo. Estão ligados a bolsonaristas ricos e bolsonaristas com cargos públicos, e a natureza dessa ligação tem de ser exposta e esclarecida. Ela vai além da mera “afinidade ideológica”?

O STF está seguindo esse fio da meada. Ontem, tanto o ministro Dias Toffoli quanto o ministro Alexandre de Moraes divulgaram notas de repúdio ao ataque ao prédio do STF feito com fogos de artifício na noite de sábado, e gota d’água para as ações da PF nesta segunda. Ambos falam da necessidade de responsabilizar não somente os autores, mas também os financiadores de atos antidemocráticos.

Ambos, vale lembrar, também estão na origem do inquérito que investiga o funcionamento das redes sociais e dos grupos de ameaça bolsonaristas – o que sugere que não levantaram à toa a questão do financiamento.

O envolvimento de Sara Winter com a ala feminina do bolsonarismo não é segredo.

A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, foi mentora de Sara no seu período de transição de um feminismo radical para um direitismo radical. Ela chegou a abrigar a ativista em sua casa. “Pedi a ela que me desse ordens, que me orientasse”, diz Sara a respeito desse período.

Quando chegou ao Planalto, Damares convidou a pupila a ocupar um cargo de coordenadora no seu ministério. Depois de cerca de três meses, Sara deixou o cargo e enveredou pela trilha do ativismo de extrema direita. Cabe perguntar a Damares Alves sobre as circunstâncias dessa saída – e ainda sobre o fato de que outro dos envolvidos no ataque ao STF, Renan Silva Sena, também já prestou serviços ao ministério. Pode ser só coincidência. Pode não ser.

Três expoentes do bolsonarismo na Câmara dos Deputados também são defensoras de Sara Winter. Segundo ela, Carla Zambelli, Bia Kicis e Caroline de Toni a ajudaram a divulgar o Acampamento dos 300, quando a iniciativa estava em gestação.

Zambelli, cada vez mais a Gleisi Hoffmann do PSL, saiu em defesa de Sara depois da prisão de hoje.

Ela escreveu no Twitter: “Pedi há alguns dias à própria Sara que baixassem a temperatura por conta deste momento. Ela fez o contrário, aumentou a temperatura e tem uma personalidade explosiva, mas nem de longe é uma pessoa perigosa. Estamos em tensão constante, pois membros do STF vêm invadindo os Poderes Legislativo e Executivo.”

É uma mensagem curiosa. A deputada procura se eximir de responsabilidade pelo ataque ao STF, dizendo que pediu a Sara Winter para baixar a temperatura. Põe um biombo entre ela e a correligionária agressiva o bastante e tola o bastante para acabar na cadeia.

Ao mesmo tempo, Zambelli insiste na mensagem de hostilidade ao tribunal. Afinal, só seis foram presos. Há mais gente lá fora disposta não só a falar, mas também agir contra as instituições.

A luta continua.

É assim que se conduz uma massa de manobra.

 

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PS: Vai aqui uma sugestão de leitura: M – O Filho do Século, obra imperdível de Antonio Scurati. Especialmente as páginas sobre os “arditi”, ex-combatentes da I Guerra Mundial, famosos no manejo de punhais, que se tornaram a tropa de choque de Benito Mussolini quando ele implantou o fascismo na Itália.