Ciente de que os R$ 231 bilhões do Orçamento do Estado de São Paulo são insuficientes para atender as prioridades da população, a administração do governador João Doria decidiu fazer das privatizações a bandeira número um para arrecadar recursos necessários para investimentos nos setores básicos, como saúde, educação e segurança, e, ao mesmo tempo, arrumar dinheiro para modernizar o Estado. O governo resolveu passar para a iniciativa privada “tudo o que for possível”, incluindo o Rodoanel, as Marginais Tietê e Pinheiros, estradas, hidrovias, portos, aeroportos e até presídios. E para tocar esse inédito projeto de desestatização, Doria chamou o ex-ministro Henrique Meirelles, 73, colocando-o no cargo de secretário da Fazenda. A meta era que Meirelles arrecadasse R$ 23 bilhões. Mas nos últimos dias os dois decidiram tomar uma decisão ainda mais ousada: privatizar também a Sabesp. Se a rentável estatal for totalmente vendida, o governo pode abocanhar outros R$ 20 bilhões. Ao justificar a ainda a concessão de incentivos fiscais para montadoras, Meirelles disse que não há guerra fiscal com os Estados. “As fábricas não querem mudar de Estado. Querem mudar é de país”.

O governador João Doria assumiu prometendo recolocar São Paulo como a locomotiva do desenvolvimento brasileiro. Mas para o Estado crescer, dependerá da política do governo federal. O crescimento da economia paulista está atrelado à reforma da Previdência?

Não há dúvida de que o ambiente macroeconômico é fundamental. Em função disso, estamos apoiando fortemente a aprovação da reforma da Previdência. Eu me sinto confortável porque a proposta original da reforma foi feita por mim há dois anos. São Paulo tem condições de crescer um pouco acima da média nacional, porque a recuperação do Brasil se dará pela expansão da atividade industrial e também da atividade financeira. Como São Paulo tem uma participação de 50% da indústria brasileira, podemos crescer acima da média nacional.

Ou seja, se o País crescer 3% com a reforma, São Paulo pode crescer entre 4% ou 5%?

Diria que se o Brasil crescer 3%, São Paulo pode crescer entre 3,5% e 4%.

Na condição de ex-ministro da Fazenda, como o senhor avalia a condução da política econômica pelo ministro Paulo Guedes? O senhor acha que a reforma da Previdência sai?

A minha expectativa é que sim. Quando iniciei a reforma da Previdência em 2017, as pesquisas mostravam que 71% dos brasileiros tinham posição contrária à reforma. Hoje as pesquisas mostram que a opinião pública apóia. Porque houve um debate grande e a reforma chegou a ser aprovada na comissão especial da Previdência na Câmara. Estava tudo certo para ir ao Plenário.

O senhor acha que o fato de Temer não ter sido eleito atrapalhou a aprovação da reforma no seu período?

Com o trabalho que fizemos na Câmara, chegamos a ter de 321 a 328 votos. Dava para aprovar, mas aí tivemos as denúncias contra o presidente Temer e elas praticamente paralisaram a Câmara. Além disso, em 2018 tivemos a intervenção federal no Rio e isso inviabilizou qualquer reforma constitucional.

Doria tem dito que a adoção de medidas liberais para a economia, como as privatizações, é o caminho mais curto para o Estado crescer. O Estado vai vender tudo?

Vamos privatizar o que for possível. Se olharmos os investimentos de infraestrutura, fundamentais para o crescimento do Estado, vamos ver que os governos não têm recursos para cobrir o déficit acumulado em décadas. Por isso, é absolutamente necessário o investimento privado. Considerando nossas demandas por transporte, existe um interesse muito grande dos investidores por aplicações em São Paulo no setor de rodovias, hidrovias e no transporte metropolitano. Podemos privatizar trechos do Rodoanel. E estamos conversando com a prefeitura para privatizar também trechos das Marginais Tietê e Pinheiros.

Mas a privatização sempre é um processo demorado. Quando começa para valer?

Estamos acelerando o processo. Já constituímos o comando para a privatização da Sabesp. Já fiz reunião com a empresa que modelou a capitalização da Sabesp em governos anteriores e estamos vendo se vamos privatizar ou se vamos capitalizar a empresa. Estamos nos movendo para começar o processo ainda este ano.

O senhor já tem uma ideia de quanto o Estado arrecadará com as privatizações?

A meta é de R$ 23 bilhões até o final do governo. Mas vai depender de como será o processo da Sabesp. Se adotarmos a capitalização (venda de ações em bolsa) poderemos obter algo em torno de R$ 5 bilhões. Mas se optarmos pela privatização total, podemos chegar a R$ 20 bilhões. Então a meta de R$ 23 bilhões seria superada em muito.

 

Mas a Sabesp trabalha em setores essenciais, como água e esgoto, e sabemos que as empresas privadas não têm interesse na exploração de serviços em áreas carentes. Os mais pobres não podem ser afetados?

É a mesma discussão que se tem com a privatização de aeroportos. Quem vai atender os aeroportos de menor movimento? Você tem que colocar o atendimento dos mais pobres no contrato. Vamos colocar isso como parte essencial no processo de privatização, senão a empresa corre o risco de perder o contrato. Ela não pode ficar só com o filet mignon.

O governador já disse que tem 220 projetos de privatização em andamento. Quais serão os primeiros setores a serem passados para a iniciativa privada?

Do ponto de vista de empresas, a Sabesp é a número um. Depois seriam os projetos de infraestrutura, como estradas, Rodoanel, Tamoyos, Hidrovia Tietê-Paraná.

A ideia é privatizar os 23 aeroportos regionais e os presídios. O Estado vai funcionar como empresa privada?

A principal decisão é que não temos um monstro sagrado que não possa ser privatizado em São Paulo por motivos ideológicos. O que existe são questões técnicas que podem dificultar algumas privatizações. Vou dar um exemplo. A Empresa Metropolitana de Energia (Emae) tem a usina da Traição no Rio Pinheiros e tem a usina de Henry Borden. Tem um problema no fluxo do Pinheiros, que é importante para manter a represa Billings, onde se capta água para São Paulo. É uma privatização complexa: como manter o fluxo do rio e ao mesmo tempo privatizar a Emae?

O que o governo paulista pretende fazer com o dinheiro das privatizações?

Em primeiro lugar, os recursos serão aplicados em investimentos na infraestrutura e nos setores essenciais, como segurança, saúde e educação.

O Estado tem um orçamento de R$ 231 bilhões, mas ainda faltam recursos para saúde, educação e segurança? O orçamento é mal distribuído?

É que existem questões estruturais, como por exemplo a evolução das despesas previdenciárias. A Previdência estadual nos dá um déficit razoável. Ela consome 15% do Orçamento. É menor do que no governo federal, mas é alto. Temos também a folha do funcionalismo, que consome uma parte grande do Orçamento. O crescimento dessas despesas nos últimos anos fez com que o Orçamento ficasse restrito, impondo a necessidade de obter outras receitas com os investimentos privados.

O governo pretende conceder incentivos fiscais para as empresas que investirem mais de R$ 1 bilhão e gerarem 400 mil empregos, com o desconto do ICMS. Isso não poderá desencadear uma guerra fiscal com outros estados?

Não terá guerra fiscal. Os incentivos fiscais que estamos concedendo fixam uma alíquota de 75% do ICMS a ser pago, com um desconto máximo de 25%. Com R$ 1 bilhão de investimentos, daremos desconto de 2,7%. E vai subindo até 25% para investimentos acima de R$ 10 bilhões. Mas a empresa assume o compromisso de gerar 400 mil empregos a cada R$ 1 bilhão investido.

O senhor acha que os incentivos atrairão as empresas para São Paulo?

A General Motors anunciou hoje (terça-feira,19), aqui no Palácio dos Bandeirantes, um investimento de R$ 10 bilhões, com a promessa de garantir os 13.500 empregos diretos que a montadora mantém em São Caetano e São José dos Campos.

Mas isso não tira investimentos de outros Estados?

Na nossa avaliação não. Hoje a disputa pelo mercado é global. Esses investimentos da GM não iriam para outros Estados. Iriam para outro país. Antes da posse de Doria, a GM o procurou para dizer que iria fechar as fábricas no Brasil. Eu entrei em contato com o presidente da área internacional, que conhecia desde minha época de BC, e ele me explicou que a GM estava tendo prejuízos com sua operação no Brasil. E não era só a questão de incentivos fiscais. A montadora queria reduzir as margens de lucro de fornecedores e revendedores. Fiz uma negociação 70 fornecedores e reduzimos as margens. Isso resultou na decisão de não só ficarem em São Paulo, mas também de aplicarem aqui R$ 10 bilhões.

Não deu para salvar a fábrica da Ford em São Bernardo do Campo? Ela vai mesmo fechar?

A Ford não vai embora de São Paulo. Ela vai manter a fábrica de Taubaté. O que ela vai fazer é fechar a fábrica de caminhões de São Bernardo. Não é uma questão brasileira. A Ford decidiu deixar de fabricar caminhões no mundo. É uma estratégia mundial. Mas tivemos uma ação proativa para que a fábrica seja assumida por outra montadora.

Já há algum comprador?

As negociações entre possíveis compradores e a Ford estão em andamento. Acho que em 60 ou 90 dias o negócio será fechado.

O senhor pretender ser candidato a prefeito de São Paulo em 2020?

Não tenho essa pretensão.

E ser candidato a governador em 2022, com Doria disputando a Presidência?

Não decido as coisas com tanta antecedência. Quando resolvi ser candidato a presidente no ano passado, foi em cima da convenção. A princípio, meu foco é fazer uma boa gestão como secretário da Fazenda. Mas não descarto nada.