O atacante Clairton Netto jogou no São Paulo dos 9 aos 18 anos. Conquistou títulos importantes, como o Brasileiro e a Copa Ipiranga Sub-20, mas teve duas lesões sérias que exigiram cirurgias no joelho. Em dezembro de 2016, foi dispensado. Sua família, os pais e as três irmãs, havia saído de Ituiutaba (MG) e estavam morando com ele em São Paulo. Todos dependiam da bolsa de R$ 6 mil por mês. Com o rompimento, o atleta ficou perdido. De acordo com a Lei Pelé, os clubes de futebol não precisam pagar nenhuma indenização em caso de dispensa dos atletas da base. Ele demorou seis meses para encontrar outro time e decidiu procurar a Justiça.

Na semana passada, em decisão inédita, a 40ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou o clube ao pagamento de indenização de R$ 33 mil por danos materiais. A decisão, assinada pela juíza do Trabalho Eumara Nogueira Borges Lyra Pimenta, é de primeira instância. O São Paulo vai recorrer. A decisão ocorre pouco menos de um mês após o incêndio no Ninho do Urubu, o CT do Flamengo, que deixou dez mortos e três feridos. “Pela lei esportiva, os contratos de formação podem ser rompidos unilateralmente, sem a necessidade de pagamento de qualquer indenização”, destaca Leonardo Serafim, diretor jurídico do São Paulo.

A Lei Pelé prevê o pagamento de multa para o clube caso o garoto queira se desligar. Por outro lado, como aconteceu no caso de Clairton, os clubes não têm obrigação de indenização. “Assim como existe uma multa indenizatória nos contratos na CLT, os clubes deveriam pagar uma multa no caso da lei desportiva”, defende o advogado Aldo Giovani Kurle, autor do processo contra o São Paulo. “A minha percepção é que esse caso vire um precedente para sensibilizar as autoridades para um acréscimo na Lei Pelé”, afirma.

Embora trate dessa questão específica, a decisão abre uma discussão, afinal, jogadores das categorias de base não têm direitos trabalhistas. “Os direitos trabalhistas só são assegurados quando os atletas são contratados na modalidade profissional”, informa o Ministério do Trabalho em nota ao Estado.

Cristiane Sbalqueiro, procuradora do Ministério Público do Trabalho, discorda e diz que há relação de trabalho entre jovens e clubes de futebol, o que exigiria maior proteção legal a eles. “A relação jurídica entre clubes e atletas em formação constitui uma relação de trabalho. Ela é especial, porque seu regime jurídico está definido na Lei Pelé, e não na CLT.”

Guilherme Martorelli, advogado do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo, afirma que a decisão de profissionalizar um atleta a partir dos 16 anos, o que garantiria os direitos trabalhistas, é dos clubes.

Existe, no mínimo, uma contradição legal. A Lei Pelé define que o “atleta não profissional e em formação, maior de 14 e menor de 20 anos, poderá receber auxílio financeiro sob a forma de bolsa de aprendizagem sem que seja gerado vínculo empregatício entre as partes”.

Ocorre que a Constituição crava em 16 anos a idade mínima para o trabalho, “salvo na condição de aprendiz”, a partir dos 14. A CLT diz o mesmo. Isso significa que a bolsa aprendizagem pode, mas um contrato de aprendizagem não pode. “Por que todos os aprendizes a partir dos 14 anos têm direito a cobertura previdenciária e os atletas mirins não?”, questiona a procuradora do trabalho.

A saída seria uma revisão da Lei Pelé. “O caminho seria uma legislação, ainda que não trabalhista, que normatize mais detalhadamente a atividade desses jovens”, opina o advogado e especialista em direito desportivo Domingos Zainardi.

Hoje, Clairton está no Inter. Diz não guardar mágoa do São Paulo, mas afirma que ficou feliz com a decisão da juíza.