“Um país dividido, um presidente questionado, manifestantes nas ruas, um craque brasileiro famoso na França e muita fake news. É o Brasil em 2018? Não, é o Brasil em 1932.” Assim o jornalista carioca Luiz Octavio de Lima sintetiza seu livro “1932: São Paulo em Chamas”, lançado pela editora Planeta. Ele espera que as semelhanças entre o Brasil de hoje e o de 86 anos atrás terminem por aí. “A Revolução Constitucionalista foi o último e maior conflito do gênero em nosso território”, afirma. “Uma guerra civil hoje é remota porque não vejo disposição no povo brasileiro para isso.”

“Os objetivo dos revolucionários era conquistar o Rio de Janeiro,mas se precipitaram e foram sufocados” Luiz Octavio de Lima, jornalista (Crédito:Divulgação)

Lima prefere o termo “guerra civil” a “revolução”: esta consiste na alteração rápida e profunda em um país; a guerra civil é uma luta intensa entre grupos organizados para tomar o poder — sem necessariamente impor mudanças no modelo político. Lima demonstra que, ao contrário do que diz o senso comum, a campanha de guerra paulista não foi um movimento de elite, muito menos conservador. “A participação popular foi intensa em torno de uma agenda progresssta, como a redemocratização via Consntituição”, afirma.

A guerra durou apenas três meses — de 9 de julho a 2 de outubro de 1932 —, mas deixou marcas até hoje. Oficialmente, morreram 634 de paulistas. O governo não divulgou as baixas. Alguns pesquisadores estimam um total de 3 mil mortos.

Encurralados

Tudo começou em 23 de maio, com um protesto contra o Governo Provisório de Getúlio Vargas, que oprimia o estado de São Paulo e feria os brios regionais. Um grupo paramilitar getulista atirou na multidão. O resultado foram 13 manifestantes feridos e quatro mortos: o fazendeiro Mário Martins de Almeida, de 31 anos, o auxiliar de cartório Euclydes Miragaia, 21, o comerciante Antônio de Camargo Andrade, 30, e o ajudante de farmácia Dráusio Marcondes de Souza, de 14 anos. Nenhum deles fazia política. O comando revolucionário os converteu em mártires e criou uma sigla mítica a partir das iniciais de seus nomes: M.M.D.C. Insuflados pelos jornais e emissoras de rádio, os cidadão comuns formaram batalhões e incentivaram o exército revoltoso a declarar guerra ao Governo Provisório em 9 de julho. Arthur Friedenreich, craque do time do São Paulo e pelidado de “rei do futebol” na França, alistou-se e lutou ao lado de 35 mil voluntários.

“A pressa resultou em erros de estratégia por parte das tropas paulistas”, diz Lima. “Os militares não tiveram tempo de treinar os alistados. ” À medida que as tropas legalistas encurralavam as revolucionárias, ocorria a guerra de comunicação: notícias falsas circulavam nos dois lados. “No final , os paulistas pensavam que haviam vencido, porque foram levados a crer de que Getúlio tinha fugido e os soldados, desertado”, diz Lima. “Foi uma leviandade que causou morte e frustração.”

Diante da derrota, os jornais adotavam o tom ufanista para afirmar que a revolução jamais se rendeu.

De fato, o estado mais rico da nação foi atingido. Mas sua supremacia foi mantida pelo governo, interessado na pacificação e na distribuição de cargos aos colaboracionistas. Para “organizar a democracia”, Getúlio promulgou a Constituição de 1934, objeto de protestos que culminariam no golpe do Estado Novo em 1937.

“A Revolução de 1932 deixou a dura lição: a democracia custa a se consolidar”, diz Lima. “Espero que os brasileiros
a tenham aprendido.”

Cenas de uma guerra civil