Meio brasileiro, meio sérvio, Lyanco vive dividido entre duas bandeiras. Literalmente. Em março, disputou três jogos para as Eliminatórias da Eurocopa Sub-19 pela seleção europeia. Nesta segunda-feira, se apresenta para um período de treinos com a seleção brasileira sub-20, em Teresópolis.

O jogador acha que ainda é cedo para fazer uma opção. A Fifa permite que um atleta mude de cores antes de chegar à seleção principal. Mas o tema é tão delicado que o jogador tem evitado discuti-lo publicamente. Por enquanto, quer deixar as duas portas abertas. É o pai de Lyanco que joga luz sobre o tema da dupla cidadania. “Hoje, ele defende a Sérvia. Ele vai conhecer a seleção brasileira, é uma grande oportunidade e um reconhecimento ao trabalho”, diz Marcelo Vojnovic.

O interesse da Sérvia realmente veio primeiro. O garoto vem sendo monitorado desde a época em que atuava pelo Botafogo, em 2014. A primeira convocação foi em janeiro deste ano, quando foi titular em um amistoso contra a Espanha. “Eles sabiam tudo do Lyanco. Identificaram um potencial e apresentaram um plano de carreira até a seleção principal”, conta o empresário Fabio Mello, ex-jogador do São Paulo.

No mês passado, também foi titular nos três jogos da fase principal das Eliminatórias. Embora sejam campeões mundiais da categoria, os sérvios acabaram eliminados. Mesmo assim, a avaliação geral da comissão técnica da Sérvia é de que o brasileiro foi bem e que deverá ser chamado novamente.

Segundo a CBF, essa participação não o impede de disputar torneios pelo Brasil em divisões de base. Caso opte por defender de vez a seleção brasileira, o defensor terá de fazer uma declaração formal. Para amistosos, não há problema. Antes desta convocação, representantes da equipe conversaram com o jogador e confirmaram o interesse dele em jogar pelo Brasil.

A CBF se espelha na situação de Andreas Pereira, do Manchester United. O meia, filho de brasileiros, mas nascido na Bélgica, defendeu o país europeu no sub-17 e sub-18. Em 2014, uma declaração bastou para ele disputar o Mundial Sub-20 pelo Brasil, no ano passado.

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A opção de Diego Costa foi diferente. Antes da Copa de 2014, o atacante, que já tinha disputado amistosos pela Espanha, recusou as convocações do então técnico Scolari e jogou o Mundial pela Espanha.

TERCEIRA BANDEIRA – Lyanco trata de colocar uma terceira bandeira nessa discussão: a do próprio São Paulo. Nas redes sociais, o jogador costuma postar “Sou Brasil, sou São Paulo, sou Sérvia”. “O foco dele é o São Paulo. Ele tem de buscar espaço no clube”, conta o pai.

Depois de ter sido escalado pelo ex-treinador Juan Carlos Osorio, o zagueiro perdeu espaço com Edgardo Bauza. Ontem, esteve no banco contra o São Bento em Sorocaba e pediu para adiar sua apresentação para hoje. Foi atendido.

“Lyanco tem um grande potencial e a rara capacidade de aliar força e técnica. Ele é um dos melhores jogadores de sua geração e tem confirmado as expectativas que apontam para um futuro destacado. As convocações para mais de uma seleção nacional confirmam nossa avaliação”, diz Gustavo Oliveira, diretor executivo de futebol do São Paulo.

AVÔ SÉRVIO – Lyanco é neto do químico Jovan Vojnovic, natural da cidade de Leibach, na extinta Iugoslávia. Ainda criança, Jovan chegou ao Brasil e se tornou um profissional renomado na área industrial. Ele foi eleito o Melhor Químico da América Latina, na área de couro (curtume), há 11 anos por entidades do setor. Aos 74 anos, o avô sabe pouco do sucesso do descendente que se tornou jogador de futebol.

Dois anos atrás, Jovan sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) que deixou sequelas graves. Ele tem dificuldades de fala, audição e compreensão. Passa grande parte do tempo na cama, sob o auxílio permanente dos familiares em sua casa em Franca, cerca de 400 quilômetros de São Paulo.

O contato entre avô e neto é restrito e eles não se conhecem pessoalmente. Além dos problemas de comunicação originados com o AVC, os avós se separaram. Atualmente, a avó Ignes Ramalho, natural de São Paulo, mora no Espírito Santo juntamente com três filhos; o avô tem outra família em São Paulo. O pai de Lyanco, Marcelo, atua como representante comercial no Rio de Janeiro, mas mantém contato estreito com o Jovan. Lyanco mora em São Paulo.

Foi em Vitória onde começou a saga da família no Brasil. Jovan chegou ao Brasil fugindo dos horrores da Segunda Guerra Mundial, conflito que destruiu a Europa entre 1939 e 1945. Jovan partiu em um navio e passou em quatro países diferentes.

Os familiares contam orgulhosos que ele teve de aprender a língua em cada país que passou para não chamar a atenção como estrangeiro e eventualmente ser preso. Lyanco costuma dizer que a trajetória do avô o incentivou a pesquisar e a estudar História, principalmente a Segunda Guerra. O pai conta que as duas gerações – o filho e o avô – são motivos especiais de orgulho para os Vojnovic.


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