Alberto Santos Dumont estava hospedado havia alguns dias no quarto 152 do Grand Hôtel de la Plage, na praia de Pitangueiras, em Guarujá, para se curar da melancolia que o abatia com passeios à beira-mar. No quarto contíguo, 151, ficava o sobrinho, Jorge Dumont Villares, que o acompanhava. Como era inverno, o hotel estava quase vazio. Jorge foi embora de repente e avisou os funcionários para que o avisassem se algo anormal ocorresse com o tio. Depois do meio-dia de 23 de julho, os garçons notaram que o hóspede célebre não comparecera para o almoço nem atendia à porta.

O sobrinho autorizou o arrombamento. No banheiro, os policiais se depararam com o cadáver. Ele havia se enforcado com a própria gravata – ou o cinto do roupão, segundo outra versão. A investigação não seguiu adiante. O atestado de óbito forjado informou que a causa mortis havia sido “colapso cardíaco”. Poderia ser assim enterrado com honras de Estado.

Santos Dumont tinha 59 anos e não deixou bilhete suicida, mas legou o mistério de uma cena que até hoje persegue quem se debruce sobre a vida e a obra do “pai da aviação”. Foi esse o enigma que a equipe da minissérie “Santos Dumont”, produzida pela HBO, tentou decifrar para construir uma biografia plausível sobre um dos personagens mais conhecidos e menos compreendidos do Brasil. A série conta, em seis episódios de uma hora cada, exibidos aos domingos, a formação, o triunfo e a queda de um inventor genial, mas sujeito a estados de desgosto – ou, como dizem hoje, surtos de bipolaridade.

“Ninguém conhece Santos Dumont”, diz Roberto Rios, produtor das séries latino-americanas da HBO. “Os brasileiros não falam mais sobre seus heróis.” O resultado é uma superprodução esmerada em figurinos e cenários de época que será exibida em 70 países e pretende restaurar a reputação mundial de Santos Dumont sem recorrer a fantasias e mistificações preconceituosas.

OFICINA No ateliê parisiense, onde desenvolveu protótipos: ajudantes achavam que o “brasileiro” era louco (Crédito:Repredução)

Para ressuscitar o homem por trás da celebridade ambivalente, os diretores Estêvão Ciavatta e Fernando Acquarone afirmam que pesquisaram material inédito, além dos dois livros de memórias e de dez biografias.

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A ideia dos diretores foi revelar aspectos desconhecidos e segredos da vida do protagonista. “São dados contraditórios,
mas construímos uma personagem”, diz Ciavatta. “Talvez seja um Santos Dumont que poucos supõem ter existido.”

A começar pelo motivo do suicídio. Certos biógrafos dizem que ele vinha sofrendo desde 1911, quando os aviões que ajudara a inventar passaram a ser usados como armas pelos italianos e, na Primeira Guerra, por todos os combatentes. Dumont foi preso pelo governo francês sob acusação de que havia cedido segredos aos inimigos. Ao sair, destruiu seus projetos e se retirou da vida pública. Segundo historiadores, ao assistir do hotel a um bombardeio, teria decidido se enforcar. Outros biógrafos afirmam que o motivo foi ter sido abandonado naquele dia por Jorge, que seria seu amante.

Entre seus antecedentes homo afetivos, teria mantido em Paris, em 1901, um caso escandaloso com o ilustrador Georges Goursat, conhecido como Sem, mostrado no primeiro episódio.

Os diretores optaram por uma versão equidistante das polêmicas: o herói do Brasil foi casto e devotado a suas invenções. “Estou convicto de que Santos Dumont morreu virgem”, diz Acquarone. “Ele se interessava por mulheres e prezava pela amizade de homens, mas era concentrado no trabalho.” De acordo com Ciavatta, hoje ele seria considerado um autista em vez de um excêntrico: “Evitava contato social e tinha obsessão por seus projetos.”

O ator João Pedro Zappa, que interpreta Dumont jovem (são três atores), buscou decifrá-lo, examinando seus retratos. “Interiorizei suas expressões e procurei soprar vida à máscara”, diz. Na minissérie, o vulto pátrio dá lugar à máscara inquietante. De 10/11 a 15/12, 21h, na HBO.

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