Estou possuído pelas Olimpíadas.

Tento ignorar e dormir cedo, mas não consigo.

Poderia dizer que é excesso de patriotismo, mas estaria mentindo pois, diversas vezes, já me peguei assistindo provas de esportes que nem sabia que existiam, disputadas por países idem.

Ocorre que estou dominado pela habilidade da mídia em contar histórias, sofrendo da síndrome da segunda tela, um fenômeno moderno, identificado pelos publicitários.

Segunda tela é aquela que utilizamos para complementar a informação da tela principal, uma outra tela, do celular, tablet ou computador que garante nosso overload de informações.

Por exemplo: assisto aos jogos batucando no WhatsApp com amigos.

Há décadas que artistas e esportistas precisam lutar contra a falta de recursos que se soma ao resultado final. Por isso, a medalha de prata é muito mais do que poderíamos esperar

Quem nunca?

Seja no MasterChef, na CPI, no futebol, a segunda tela é o reinado dos detalhes de outra invenção publicitária: o storytelling.

Uma mistura de contos de atualidades com a sensação de viver em comunidade.

De volta à caverna de Platão, só que em 5G e alta resolução.

Por isso, agora são quatro da manhã e estou esperando ansioso pela final do Tiro com arco feminino de 18 metros com flecha de titanium.

Esporte que acabei de conhecer.

Janice Oliveira, é nossa representante, vinda de uma favela de Itamarintim, Mato Grosso do Sul, onde treinava com arcos de bambu e tiras de Havaianas.

Porque atleta brasileiro bom é atleta brasileiro pobre.

Se não tiver recurso nenhum, melhor ainda.

Atleta brasileiro precisa ter comido o pão que o governo amassou para ser respeitado.

Enquanto atletas americanos, por exemplo, são uns universitários metidos que não fazem mais do que a obrigação em conquistar medalhas, pois vivem confortavelmente e treinam com todos os recursos.

Já os brasileiros correm descalços por estradas de terra, dormem em redes para se proteger de aranhas assassinas e nadam em esgotos à céu aberto.

Precisam se superar.

Não apenas no esporte, mas na Cultura em geral, há pobreza, por aqui, complementa o mérito.

Há décadas que artistas e esportistas precisam lutar contra a falta de recursos que se soma ao resultado final.

A medalha de prata é muito mais do que poderíamos esperar, dadas as condições.
De Zé Pequeno ao Capitão Nascimento, de Rebeca à Rayssa, não basta ser bom.

Tem que sofrer.

E as Olimpíadas talvez sejam o pináculo deste paradoxo nacional: a pobreza vitoriosa.

Contando histórias de sofrimento de nossos atletas, colocamos glamour em suas vidas, ampliando a importância de suas conquistas.

Inevitavelmente sensibilizados, damos salvo conduto a mais esse descaso do Estado, que ganha pontos valorizando seu povo lutador, enquanto se exime da responsabilidade de prover recursos.

Um absurdo!

Ao mesmo tempo que criamos heróis da sofrência, justificamos a continuidade desse estado de coisas e aceitamos felizes que um País com duas centenas de milhões de habitantes, tenha apenas um punhado de atletas vencedores.
Mas calma porque piora.

A Cultura, que foi relegada à boa vontade da iniciativa privada nas últimas décadas, hoje mal com isso pode contar, já que o governo atual fez questão de esvaziar de vez o setor.

Na mesma semana que, por falta de investimento, o galpão da Cinemateca se incendiou, não nos damos conta de que as sensacionais medalhas que conquistamos no Japão e, que nos enchem de orgulho, são na verdade, outro incêndio invisível, para o qual parece que não há bombeiro que apague.