28/09/2022 - 8:17
Na Pedra do Sal, um dos berços do samba no Rio de Janeiro, o canto “Olê, Olê, Olê, Olá, Lula, Lula” anima a noite dos presentes, que vestem camisas e bonés com o rosto do ex-presidente de esquerda, também estampado nas bandeiras.
É improvável que algum eleitor do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, o rival direto de Lula nas eleições do próximo domingo (2), se aventure neste lugar, onde jovens progressistas se reúnem para cantar clássicos da MPB.
“O samba é uma forma de resistência à opressão, é a voz do povo, e o Lula representa o povo”, diz Karen Gama, uma mulher negra de 24 anos que veio dançar com adesivos do candidato à presidência do Partido dos Trabalhadores (PT) colados no corpo.
Em meio a uma eleição polarizada, o ex-presidente, no comando entre 2003 e 2010, busca um terceiro mandato, 12 anos após deixar o poder.
Em um de seus últimos encontros antes dos comícios, Lula visitou no fim de semana passado a escola de samba da Portela, onde foi ovacionado por centenas de pessoas vestidas de vermelho.
– Pragmatismo –
“Ele (Lula) estar aqui é retornar à base. O samba representa o povo e o Lula representa o povo. Precisamos criar um país mas igual”, comenta João Diamante, morador do Rio de Janeiro que veio apoiar o candidato.
Diamante explica que conseguiu estudar gastronomia graças ao FIES criado durante a presidência de Lula. “Eu sou fruto disso, quero essa política para que outros possam aproveitar como eu aproveitei”, conta o chef que foi criado numa comunidade e se tornou um dos mais badalados da culinária carioca.
“A Portela é o templo do samba. Viemos aqui aclamar o único presidente que valorizou os pretos e as minorias. (…) Fomos muito atacados durante o mandato de Bolsonaro”, diz à AFP Douglas Williams, um enfermeiro de 30 anos cujo cabelo foi estilizado com a bandeira da comunidade LGBTQIA+.
Apesar de suas origens, o samba nem sempre foi associado a ideias de esquerda, segundo Wagner Pralon Mancuso, professor de ciências políticas na Universidade de São Paulo (USP).
“São famosos os sambas de exaltação ao Brasil de diversas escolas durante o regime militar”, entre 1964 e 1985, indica Mancuso.
Mais recentemente, várias escolas de samba no Rio apoiaram Marcelo Crivella, um pastor evangélico de direita, durante sua campanha eleitoral para prefeito da cidade em 2016.
“As escolas de samba são pragmáticas, pois dependem muito dos recursos públicos”, explica Marco Teixeira, especialista em ciências políticas na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
– “Ferramenta política” –
“Hoje as escolas estão lembrando os ministérios da Cultura, que foram fortes com Lula, apoiavam as manifestações culturais”, destaca Guilherme Guaral, professor da Universidade Veiga de Almeida (UVA), que estudou as ligações entre política e samba.
Em meados de setembro, um grupo de samba se apresentou na Barra da Tijuca com uma canção popular durante um sarau de samba cuja letra modificada pedia a volta de Lula ao poder. Os músicos foram vaiados e tiveram que deixar o palco.
“Defendemos que a arte é ferramenta política essencial em nossa democracia, e o samba é político em sua essência. Ou seja, muito mais do que um gênero musical, o samba é instrumento de transformação sociopolítica. É preciso enxergar para além dos acordes”, defendeu o grupo Samba Independente dos Bons Costumes em uma resposta publicada no Instagram.
O dono de um bar de samba no centro do Rio, Claudio Cruz, concorda que “o samba sempre foi uma forma de resistência frente às desigualdades então é super normal que hoje o mundo do samba apoie o Lula.
Há uma semana, este grande admirador do ex-presidente instalou uma figura de dez metros de altura de Lula na frente de seu estabelecimento, para comemorar o aniversário de 13 anos de seu bar.
Ao fundo tocava “Apesar de você”, de Chico Buarque, datada da época da ditadura e que antecipa a alegria do povo após o fim do regime militar.