Ricardo Salles bem que tentou “passar a boiada” mais uma vez, mas teve de recuar na tentativa de alterar a meta de redução em 90% do desmatamento e os incêndios ilegais em todo o Brasil, previstos no Plano Plurianual (PPA) do governo até 2023. O ministro do Meio Ambiente até queria trocar esse objetivo pela garantia de preservação de uma área de apenas 390 mil hectares de vegetação nativa na Amazônia, por meio de um programa recém-criado por ele chamado “Floresta+ Amazônia”. Foi barrado, no entanto, pelo próprio Ministério da Economia, que resolveu controlar os arroubos devastadores de quem deveria preservar a natureza. Não por interesse ecológico, que já se sabe que não existe, mas sim pela pressão feita por investidores internacionais, que deixaram claro que a pauta de sustentabilidade é essencial para que os recursos voltem ao País. O que, diante da crise atual, se torna cada vez mais necessário.

FOGO NA MATA Incêndios se espalham pelo Brasil: medidas ineficientes no combate às queimadas

Após o recuo, o Ministério da Economia divulgou uma nota reafirmando o compromisso de se reduzir o desmatamento e os incêndios ilegais nos biomas em 90% previstos inicialmente, por meio da implementação das políticas estipuladas no Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020 – 2023. O projeto inclui ações conjuntas por parte de vários ministérios, e não apenas do Meio Ambiente. Entre as pastas estão Agricultura, Justiça, Ciência e Tecnologia, Defesa, Infraestrutura e Desenvolvimento Regional, entre outras, conforme o comunicado.

Inicialmente, Salles até insistia em devastar ainda mais a Amazônia. A meta que havia sido proposta pelo Ministério do Meio Ambiente equivalia a um terço do que foi efetivamente desmatado ao longo de 2019, quando foram destruídos 1,012 milhão de hectares em todo o Brasil, segundo o levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Diante disso, a taxa proposta de 390 mil hectares era considerada insignificante por pesquisadores e desobedecia, inclusive, as leis aprovadas pelo Congresso.

Governo acelerou ações que permitiram desmatamento durante a pandemia, como Salles recomendou na fatídica reunião ministerial de 22 de abril

Canetada

A iniciativa liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no entanto, veio um pouco tarde. O governo acelerou a publicação de atos sobre o meio ambiente durante os meses de maior crescimento da pandemia de Covid-19, exatamente como Salles havia recomendado durante a fatídica reunião ministerial de 22 de abril, encontro que se tornou público por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) após a saída do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Um levantamento feito pelo Instituto Talanoa, mostrou que entre março e maio de 2020 o Executivo federal publicou 195 atos no Diário Oficial, entre eles portarias, instruções normativas, decretos e outras normas relacionadas ao tema ambiental. Esse número foi 12 vezes maior que o registrado em igual período de 2019, quando foram assinados apenas 16 atos.

Depois de ter de recuar na decisão de reduzir a preservação dos biomas, o governo ainda amargou outras duas derrotas: decisão imposta pelo STF na quarta-feira (5) proibiu o Executivo de realizar cortes no programa Bolsa Família durante a pandemia e obrigou o governo federal a adotar uma série de medidas para conter o avanço da Covid-19 entre os povos indígenas. Nos dois casos, os ministros foram unânimes ao votar contra a gestão de Jair Bolsonaro, numa demonstração de unidade incomum na Corte. Os nove magistrados que participaram da sessão chegaram ao veredicto em apenas quatro minutos. No julgamento-relâmpago, o plenário confirmou uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello, que em março havia determinado a suspensão nos cortes do programa assistencial enquanto estiver em vigor o estado de calamidade pública provocado pela pandemia. No caso dos índios, o ministro Luis Roberto Barroso disse que “é inaceitável” a inação do governo em relação a invasões das terras indígenas. Outra coisa que é inadmissível: ter um ministro do meio ambiente mais preocupado em “passar a boiada” do que em defender nosso patrimônio natural.