Deborah tinha 13 anos quando ouviu pela primeira vez a respeito da Sala São Paulo. Ela estudava violino em Brasília. E, na escola de música, chegavam os “contos heroicos” sobre um teatro novo para concertos, com um “teto que se mexia”, com placas móveis que mudavam a acústica dependendo da peça a ser apresentada. “Era algo que colocava para funcionar a minha imaginação ainda infantil”, ela lembra.

Surgia, então, um desejo – um dia tocar na sala e integrar a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Parece maneira de dizer. Mas não é. “Virou um sonho, uma meta mesmo. Eu estudava seis horas por dia, pensando nisso. Então, saí do Brasil e, ao decidir voltar, era com o objetivo de tocar na Osesp, trabalhar na Sala São Paulo.”

Ela mudou-se para São Paulo. “Aluguei um colchonete na sala de um apartamento. Não tinha quase dinheiro. Mas não aceitava vagas em outras orquestras, passava todo meu tempo estudando, dez horas por dia, para fazer a prova para a Osesp.” Nesse meio tempo, tocou pela primeira vez na sala com uma orquestra jovem. “Era uma perplexidade geral, todo mundo com aquela sensação incrível de estar ali.”

Na primeira prova para entrar na Osesp, Deborah não passou. Na segunda, um pouco depois, conseguiu vaga para um ano de trabalho. “Eu olhava para a sala durante a prova e era como se os pilares fossem também meus pilares de força”, ela conta.

Deborah Wanderley dos Santos é musicista titular da Osesp desde 2015. Seu relato é profundamente pessoal. Mas é também representativo da importância – e da mitologia – que a Sala São Paulo conquistou na cena musical brasileira nos últimos 20 anos, que estão sendo comemorados a partir deste fim de semana, culminando com dois concertos na próxima terça-feira, dia 9 de julho, data exata da inauguração oficial.

Os frutos da criação da sala são visíveis. Permitiu à Osesp criar um projeto de longo prazo inédito no cenário nacional; serviu de modelo a iniciativas em outros Estados, como a Filarmônica de Minas Gerais, a Sala Minas Gerais e a Casa da Música, sede da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre; foi eleita uma das melhores salas do mundo em 2015 pela revista inglesa Gramophone. “É uma das minhas salas preferidas em todo o mundo”, diz a maestrina americana Marin Alsop, diretora musical da Osesp. “É impossível minimizar a importância da Sala São Paulo para a vida musical da cidade e, por extensão, do País. Não é exagero dizer que foi graças a ela que São Paulo hoje é reconhecida como capital musical da América Latina”, afirma Arthur Nestrovski, diretor artístico da Fundação Osesp, que gere a orquestra e o espaço.

Jardim

A construção de uma sala no antigo jardim de uma estação de trem parecia uma ideia improvável. O maestro John Neschling havia assumido a Osesp em 1997 com uma condição: uma nova sede para a orquestra, que nos últimos anos se apresentava em cinemas e palcos improvisados. Em sua autobiografia, Música Mundana, ele conta que percorreu a cidade em busca de um teatro que pudesse ser adequado à música sinfônica e que foi uma surpresa generalizada quando Chris Blair, especialista em salas de concerto, lhe disse que a área aberta da Estação Julio Prestes era ideal para a construção de uma nova sala. Com o projeto orçado em US$ 30 milhões, Neschling – que, radicado na Suíça, não respondeu a pedido de entrevistas – e o então secretário de Cultura Marcos Mendonça foram convencer o governador Mário Covas que, pouco depois, daria sinal verde para o projeto.

A violoncelista Adriana Holtz, ainda hoje na Osesp, chegou à orquestra nessa mesma época. “Era o começo da reestruturação e o processo todo era muito intenso”, ela lembra. “A gente tocava no Memorial da América Latina, depois no Teatro São Pedro. Chegamos a fazer uma apresentação em um desfile de moda lá na Julio Prestes, embaixo das palmeiras imperiais do jardim onde seria a sala.”

Segundo ela, ainda que todos já soubessem que a sala estava sendo construída, “só nos demos mesmo conta daquilo quando entramos e começamos a ensaiar o concerto de inauguração”. “Foi um processo intenso, maluco mesmo. Tinha um êxtase muito grande, mas, ao mesmo tempo, uma preocupação de fazer o melhor concerto possível. O Neschling nos queria totalmente preparados. Estávamos todos na ponta da cadeira. Era muita energia, um fogo, uma vontade de fazer que era impressionante.”

Gerações

Na manhã de terça-feira, enquanto alunos do Festival de Inverno de Campos do Jordão andavam pelos corredores e preparavam-se para as aulas do dia, a Osesp ensaiava a Sinfonia nº 8 de Mahler, com 300 artistas no palco, regidos por Marin Alsop, com um time de solistas brasileiros que incluía o barítono Paulo Szot.

Na plateia, com a partitura na mão, acompanhando o ensaio, estava o maestro Hilo Carriel, de 28 anos. Natural de Manaus, esteve na sala pela primeira vez em 2013, em uma viagem com sua mãe. “O impacto visual foi marcante. Eu lembro de ficar deslumbrado com o tamanho da sala e os detalhes da arquitetura. Eu nunca tinha visto nada parecido pessoalmente”, ele conta, lembrando a importância que o prédio teria mais tarde em sua formação. “A sala para mim teve dois papéis: autoafirmação e ampliação de possibilidades. Em 2014, depois de participar do Festival de Campos, fui convidado para reger a Osesp na sala. Essa experiência, com 23 anos, me deu a confiança de que eu estava no caminho certo, além de contribuir para que eu fosse aprovado em diversos cursos, algo que antes era impensável.”

Assim como ele, Deborah pertence a uma geração de músicos que se formou com a sala já presente no dia a dia da vida de concertos. “Fez a diferença para a gente uma programação incrível, regular, com grandes artistas de todo o mundo, que a gente podia ouvir de forma rotineira. A música é uma forma de arte temporal, que acontece em um momento apenas. Ter acesso ao que acontecia na sala foi algo que definiu minha geração.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.