Em vez da desonra da cadeia, a morte por suicídio. Foi assim que o ex-presidente do Peru Alan García, de 69 anos, terminou sua vida e colocou ainda mais pólvora no escândalo de corrupção política que varre o país que governou em duas ocasiões, de 1985 a 1990 e de 2006 a 2011. Além dele, outros três presidentes estão bem enrolados com a justiça por causa de sucessivos casos de superfaturamento, propina, e lavagem de dinheiro envolvendo grandes obras de infraestrutura tocadas pela empreiteira brasileira Odebrecht. A atitude extrema de García não é única na história sul-americana. O presidente chileno deposto José Balmaceda (1840-1891) tirou a própria vida no exílio na Argentina. Já Getúlio Vargas (1882-1954) e Salvador Allende (1908-1973) preferiram a morte à deposição.

Assim como no Brasil, no Peru o protagonista das delações premiadas é o empreiteiro Marcelo Odebrecht, que com ajuda de seus executivos repetiu o modus operandi desvendado aqui pela Operação Lava Jato. Tanto que lá, as investigações são conduzidas pela Equipe Especial Lava Jato. Pode ser que as cifras envolvidas se revelem menores no final, mas nem por isso são pequenas (US$ 3 bilhões até agora). O que torna a situação institucional peruana pior é que os esquemas foram adotados por sucessivos governantes de diferentes partidos: Alejandro Toledo, Alan García, Ollanta Humalla e Pedro Pablo Kuczynski. Investigar gente que acumulou tanto poder e aliados é sempre difícil, mas as autoridades locais avançam. Para muitos dos envolvidos no segundo escalão restou a fuga para outros países.

CONSTERNAÇÃO Polícia cerca hospital de Lima onde o político foi socorrido (Crédito:Norman Cóedova/Andina)

Investigado desde novembro, Alan García chegou a pedir refúgio no Uruguai, alegando perseguição política. Em dezembro, o presidente uruguaio Tabaré Vázquez negou o pedido. A coisa azedou de vez para o peruano no domingo 14, quando foi divulgado que uma delação premiada acordada com representantes da empreiteira revelou que seu filho e ex-secretário da Presidência, José Antonio Nava, havia recebido US$ 4 milhões para facilitar o contrato da construção da Linha 1 do metrô de Lima. Junto com Nava estaria Miguel Atala. Ambos são considerados testas de ferro. A informação teria sido colhida no Brasil e se tornou um dos desdobramentos internacionais da Operação Lava Jato

Provas para condenação

Por volta das 6h30 de quarta-feira 17, a polícia bateu na casa do ex-presidente com uma ordem de prisão temporária de dez dias. Ele teria pedido para entrar em contato com seus advogados. Após minutos de silêncio, os policiais ouviram um disparo vindo do cômodo vizinho, que estava de porta fechada. García foi levado com um grave ferimento no lado direito da cabeça para o hospital, onde morreu após três paradas cardíacas. Um dia antes, ele publicou em sua conta no Twitter: “Como nenhum documento me menciona e nenhum indício nem evidência me inclui, resta a eles a especulação ou inventar intermediários. Jamais me vendi e está provado”. Não é bem assim. Em 2016 ele chegou a admitir publicamente que ganhou vantagens em contratos que beneficiaram uma série de políticos e autoridades locais.

A notícia do suicídio provocou outros estragos. Com 80 anos, o também ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, sofreu uma crise hipertensiva e foi transferido para uma UTI em estado grave. Ele cumpria prisão preventiva até o próximo dia 20. PPK comandou o país até março de 2018, quando teve que renunciar por causa dos escândalos, deixando no poder seu vice, Martín Vizcarra, que até agora se mantém incólume. Já Ollanta Humala passou 9 meses preso e agora responde em liberdade. Procuradores acreditam já ter provas para condená-lo de vez. Alejandro Toledo conseguiu fugir para os Estados Unidos, mas pode ser extraditado a qualquer momento.

É preciso lembrar que não foi a Odebrecht que criou os únicos crimes capazes de condenar à prisão um presidente peruano. Alberto Fujimori, que governou o país de 1990 a 2000 com poderes ditatoriais, cumpre pena por abuso de poder, corrupção, sequestro, assassinato e violação dos direitos humanos. Ele tem 80 anos e segue atrás das grades.

Colaborou Guilherme Sette