Para o professor de Ciência Política da USP, José Álvaro Moisés, discurso de vitimização é de difícil sustentação, mas transferência de voto não é desprezível

Julgamento. (A condenação no TRF-4) Para o ex-presidente Lula foi um enorme revés. Na medida em que os desembargadores colocaram o julgamento num contexto mais amplo, relativo às responsabilidades do ex-presidente desde o escândalo do mensalão, ficou mais difícil para ele continuar com a narrativa da vitimização. Na democracia, quem comete ilícitos é julgado e condenado.

Refundação. O PT que nasceu como um partido que tinha como objetivo a refundação da política brasileira perdeu seu principal argumento que era o de um partido de esquerda capaz de reorganizar a política nacional, voltado-se, principalmente, para a justiça social. Mas o PT incidiu no hábito conservador e tradicional da política que tanto criticava. O PT se misturou com essa elite. Não sou eu quem disse isso, quem disse foi o ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra (em entrevista ao Estado na quarta-feira).

Instabilidade. Eu não estou na turma que vê na condenação do Lula, no recolhimento do passaporte dele ou em uma eventual prisão algo que deveria ser evitado para não se criar instabilidade e tensão social. A democracia não pode ser uma brincadeira que, dependendo do personagem, os procedimentos adotados podem ser modificados. Lula não é o único. Outros políticos foram condenados, e até presos, e o discurso do “golpe” não foi evocado. Agora, a Justiça vai mostrar que preza pela igualdade de tratamento dando prosseguimento aos casos envolvendo nomes do MDB, PSDB e outros partidos.

Eleições. A decisão do julgamento criou uma situação nova no campo da centro esquerda. A saída do ex-presidente Lula da corrida presidencial modifica o cenário e abre espaço para um potencial fortalecimento de nomes como Ciro Gomes, Manuela D’Ávila e Marina Silva. Isso, claro, se esses nomes tiverem um discurso capaz de capturar o prestígio do ex-presidente Lula.

Transferência. A possibilidade de Lula transferir seus votos para o ex-governador da Bahia Jaques Wagner ou para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad não é uma hipótese desprezível. Mas o PT como um todo vai estar diante de outras questões que podem dificultar um sucesso eleitoral. O PT vai ter de explicar o seu papel na Lava Jato, no mensalão, nos desvios na Petrobrás.

Forças. Toda vez que existe um movimento de deslocamento de alguma força política, existe a possibilidade de crescimento de outra força. Embora os candidatos tenham sido cautelosos, até mesmo o governador Geraldo Alckmin (PSDB), em relação ao resultado no TRF-4, abriu-se um espaço para a requalificação de outras candidaturas, como a do governador, por exemplo. Quem quiser ocupar o espaço pela eventual saída do Lula do páreo vai ter de incorporar em seu discurso aspectos de justiça social e distribuição de renda.

Prisão. A prisão do Lula pode ter enorme impacto. Ele é um líder popular muito prestigiado pelos seus eleitores que podem, até pela narrativa escolhida pelo PT, não compreender com clareza o motivo da condenação. Não compartilho do receio do ministro Marco Aurélio Mello de que uma eventual prisão de Lula incendiaria o País. Vai ter protestos, que, aliás, são legítimos, mas não a ponto de se incendiar.

Desobediência. Quando o Lula diz que não vai aceitar o resultado de um julgamento, isso introduz um elemento de tensão na disputa eleitoral. Isso significa que um contingente importante de um partido relevante não aceita o resultado de uma parte das instituições democráticas. A Justiça é a possibilidade de igualdade perante a lei. Para um partido que defende igualdade é estranho que pregue essa desobediência. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.