O esporte olímpico brasileiro tem dia decisivo nesta quinta-feira com a eleição para a presidência do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Atual presidente, Paulo Wanderley vai enfrentar seu ex-vice-presidente Marco La Porta no pleito, que terá início às 9h30, no Centro de Treinamento da entidade, na zona oeste do Rio de Janeiro. A decisão das urnas deve sair ainda nesta quinta, mas a definição do presidente do COB para o ciclo 2025-2028 poderá ser estender, com uma eventual disputa na Justiça.

O caso poderá parar nos tribunais se Paulo Wanderley sair como vitorioso do pleito. Isso porque a chapa de oposição e grupos de atletas questionam a candidatura do atual presidente. Com embasamento na lei, alegam que ele não poderia tentar uma segunda reeleição. Se vencer, numa interpretação da legislação atual, o COB poderia perder a certificação junto ao Ministério do Esporte, que cortaria os recursos federais que bancam a maior parte do orçamento do comitê. “É inacreditável que estamos correndo esse risco. Por quê? Por causa de vaidade? Será um retrocesso muito grande se isso acontecer”, disse Hortência, da Comissão de Atletas do COB, ao Estadão.

Entidades como Pacto pelo Esporte, Atletas pelo Brasil e Sou do Esporte, apontam que Paulo Wanderley está tentando uma segunda reeleição, o que é vetado pela Lei Geral do Esporte. O atual mandatário do COB assumiu a presidência em outubro de 2017 assim que Carlos Arthur Nuzman renunciou ao cargo na esteira das investigações de corrupção – Nuzman chegou a ser preso.

Vice, Paulo Wanderley assumiu o comando do comitê e se reelegeu em 2020. Uma nova eleição, portanto, caracterizaria uma segunda reeleição, na leitura dos atletas. Inicialmente, ainda em 2017, ele afirmou que entendia a situação da mesma forma que os atletas apontam no momento. Em entrevista ao jornal O Globo, na época, ele afirmou: “estou no meu primeiro mandato e teria direito a uma reeleição”.

Em entrevista ao Estadão, na semana passada, o dirigente mostrou uma nova visão sobre o assunto. “Não teve mudança de ideia (da minha parte). Estou indo para a minha reeleição, a primeira reeleição, porque o primeiro mandato foi um mandato-tampão, necessário por força de Estatuto porque houve uma vacância do cargo e o vice precisava assumir. Eu não tinha sido eleito para ser presidente”.

Na prática, Paulo Wanderley alega que essa seria sua primeira reeleição como presidente, de fato. Sua candidatura apresentou parecer jurídico junto ao Conselho de Ética para justificar a presença no novo pleito, o que foi aceito – as duas candidaturas precisam passar por uma série de checagens para serem homologadas.

Em defesa de Paulo Wanderley, o advogado Marcelo Jucá explica que o atual presidente não busca um terceiro mandato. “A legislação esportiva brasileira não veda a reeleição quando o primeiro período é um chamado ‘mandato tampão'”, afirmou. “Além disso, essa matéria já foi objeto de demandas judiciais de outras entidades e todas as ações que transitaram em julgado não entenderam pela existência de um terceiro mandato.”

QUESTIONAMENTOS

A justificativa e o parecer não convenceram os grupos de atletas, que já se manifestaram abertamente contra a candidatura de Paulo Wanderley. O Estadão apurou que há o entendimento das entidades de tomar alguma medida judicial após o pleito, caso a chapa do atual presidente vença nesta quinta-feira. Em contato com a reportagem, Marco La Porta, candidato da oposição, garantiu que não buscará nenhuma medida nos tribunais antes da eleição.

A preocupação dos atletas se deve aos recursos do governo federal que são transferidos anualmente ao COB. Para receber a verba que vem das loterias federais, a entidade precisa estar de acordo com a legislação. Este montante, que neste ano é de R$ 461,4 milhões, é a maior parte do orçamento do COB, que passará a receber R$ 40 milhões por ano da Caixa Econômica Federal, como patrocínio, a partir de 2025. Para o próximo ano, o valor também será maior por causa dos recursos vindos da arrecadação com as bets.

Os grupos de atletas se baseiam em duas leis importantes do esporte para contestar o atual presidente: a Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/23) e a Lei Pelé (Lei nº 9.615/98). A primeira absorveu a segunda, além de incorporar outras legislações sobre os temas esportivos, no ano passado.

Em ambos os casos, a leis apontam que dirigentes esportivos têm direito a apenas uma recondução, reeleição. O artigo 36 da Lei Geral do Esporte, que vigora no momento, diz que “somente serão beneficiadas com repasses de recursos públicos federais da administração direta e indireta e de valores provenientes de concursos de prognósticos e de loterias, nos termos desta Lei e do inciso II do caput do art. 217 da Constituição Federal, as organizações de administração e de prática esportiva do Sinesp que: IV – demonstrem que seu presidente ou dirigente máximo tenha mandato de até 4 (quatro) anos, permitida uma única recondução consecutiva, e que são inelegíveis, na eleição que suceder o presidente ou dirigente máximo, seu cônjuge e seus parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau ou por adoção”.

Se reeleito, Paulo Wanderley poderá completar 11 anos à frente do COB.

APOIO NO CONGRESSO

Os atletas contam com apoio no Congresso Nacional. O deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), ex-nadador olímpico, já demonstrou apoio à causa, assim como a senadora Leila Barros (PDT-DF), ex-jogadora de vôlei e relatora da Lei Geral do Esporte. “Preocupada com o futuro do esporte nacional, venho alertar Vossas Senhorias sobre os riscos de uma segunda recondução de dirigente de entidade esportiva, que, caso concretizada, pode resultar em prejuízos graves ao sistema esportivo, incluindo a perda dos repasses de recursos públicos”, escreveu a senadora em ofício na terça-feira.

“A reeleição para um terceiro mandato contraria os princípios de governança e transparência estabelecidos pela referida legislação, colocando em risco a certificação da entidade para receber recursos das loterias federais, que são de vital importância para o financiamento do esporte olímpico no Brasil, incluindo todas as confederações e federações ligadas a este sistema.”

Órgãos federais, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e Advocacia-Geral da União (AGU), já emitiram pareceres nos últimos anos criticando uma segunda reeleição por parte de dirigentes esportivos.

“Vice-presidente que, por vacância do cargo de presidente, ascende a esse posto e conclui o mandato; tem direito a mais uma eleição e reeleição ou apenas a recondução garantida? Resposta: Quando da entrada em vigor da Lei nº 12.868, de 2013, vice-presidente que, por vacância do cargo de presidente, ascende a esse posto e conclui o mandato pode concorrer a reeleição e exercer apenas mais um mandato consecutivo”, diz trecho do parecer emitido pela AGU.

“Como o Vice-Presidente, em face da vacância definitiva do titular , assumiu de forma definitiva e efetiva o cargo de presidente, esse mandato deve ser computado como o primeiro, sendo possível apenas que dispute um único período subsequente. É indiscutível que na sucessão há investidura no cargo de titular. Há sucessão quando o cargo de titular for declarado vago e, com isso, assumido pelo vice em caráter definitivo. Com isso, o vice perde o “status” de vice e é investido no cargo de titular. Dessa forma, não poderá, caso seja eleito para o mandato subsequente, disputar sua própria reeleição, já que, se fosse vitorioso, estaria exercendo o seu terceiro mandato, o que é vedado.”

Há duas semanas, o TCU emitiu documento de 66 páginas, após demanda do Ministério do Esporte, confirmando que entidades esportivas precisam ser certificadas pelo ministério para poderem receber os recursos federais.

“Para nós, atletas, ele está se reelegendo pela segunda vez e isso não pode. Pode ficar 11 anos no poder. Estou batendo na tecla de que o ministro do Esporte precisa se posicionar (sobre o assunto)”, disse Hortência, lenda do basquete brasileiro, ao Estadão. A ex-jogadora integra o Pacto pelo Esporte, o Atletas pelo Brasil, a Comissão de Atletas do COB e voltou a ser recentemente representante dos atletas no Ministério do Esporte. “Toda a nossa cadeia esportiva corre o sério risco de sofrer problemas financeiros.”

E O MINISTÉRIO DO ESPORTE?

Publicamente, o ministro André Fufuca ainda não se manifestou sobre a candidatura de Paulo Wanderley ou sobre a eleição do COB. Fufuca (PP-MA) está de férias e deve voltar à ativa no fim da semana. Em suas redes sociais, o ministro vem postando fotos e vídeos nas quais aparece fazendo campanha para aliados nas eleições municipais, no interior do Maranhão.

Antes de oficializar sua candidatura, no mês passado, Paulo Wanderley enviou uma consulta ao ministério sobre um possível risco na obtenção da certificação, caso vencesse a eleição. “Fizemos um recurso com base no que eles responderam porque consideramos que a primeira resposta que não era apropriada”, contou o atual presidente do COB ao Estadão.

Questionado pela reportagem, o Ministério do Esporte informou que ainda não tem uma resposta para essa segunda consulta do candidato à reeleição do comitê olímpico.

CASOS ANTERIORES

O esporte brasileiro tem ao menos um caso semelhante, que foi decidido pela Justiça. Aconteceu nesta década na Confederação Brasileira de Voleibol (CBV). Em 2014, Walter Pitombo Laranjeiras, mais conhecido como Toroca, assumiu a presidência da entidade porque era vice de Ary Graça, que deixou o cargo de presidente após denúncias de corrupção. Toroca se reelegeu em 2017 e, depois, em 2021, configurando um terceiro mandato.

A questão foi parar na Justiça. Na ocasião, ele também usou o argumento de que o seu primeiro mandato era tampão. E foi derrotado no tribunal. “O atual presidente encontra-se em seu terceiro mandato, o que é legalmente vedado, ante a consideração de que o ‘mandato tampão’ desencadeia inequívoca hipótese de recondução”, registrou o juiz Diego Câmara, da 17ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal.

Na ocasião, a CBV não chegou a perder a certificação do Ministério do Esporte porque a decisão judicial acontece em junho do ano passado. Toroca acabou falecendo um mês antes. Na ocasião, quem comandava a entidade já era o vice Radamés Lattari.

Situação parecida aconteceu na Liga de Basquete Feminino (LBF), com Ricardo Molina ocupando o comando por um terceiro mandato seguido. Após parecer contrário da AGU, ele acabou se afastando do cargo, o que evitou uma eventual perda da certificação.