A Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara só não tem o cabo, o soldado e o jipe para fechar o STF, como chegou a sugerir o deputado Eduardo Bolsonaro, o filho zero 03 do ex-presidente. Mas entre seus 38 integrantes titulares de origem militar, tem sargentos, tenentes, capitães, coronéis e dois generais. Tem também dez delegados de polícia e cinco investigadores, três deles agentes que, enfileirados, formam a mais barulhenta tropa de choque de Jair Bolsonaro no Congresso. Apenas nove deputados têm formação fora da área de segurança.

O perfil da mesa diretora do colegiado também não deixa dúvidas de que tudo ali se parece com um quartel-delegacia: a presidência é ocupada pelo deputado Alberto Fraga (PL-DF), coronel reformado da Polícia Militar de Brasília, ao lado de quem cintilam nas três vice-presidências as estrelas de outros dois coronéis, Meira (PL-PE), Ulysses (União Brasil-AC) e o delegado Fabio Costa (PP-AL).

Saiba onde se concentra a tropa de choque bolsonarista em Brasília
(Câmara dos deputados)

Com tanta gente especializada no tema, a pauta da comissão é uma contradição.
Ali se discutem medidas restritivas de liberdade, endurecimento de penas e a flexibilização do comércio e porte de armas, um assunto envolto pelo mais agressivo lobby da história do Parlamento.
A comissão não tem propostas que englobem diferentes visões sobre um plano de segurança pública para o País.
O que sai dali são retrocessos como a lei que proibiu a saidinha de presos.

O debate sobre temas relevantes privilegia o entendimento segundo o qual “bandido bom é bandido morto”, mentalidade que deu em massacres como o do Carandiru e ajudou a gerar as facções criminosas que controlam as cadeias com um braço e, com outro, o colossal comércio internacional de cocaína.

A revogação do dispositivo que permitia a saidinha mina um dos principais itens da política de ressocialização de detentos do País, uma alteração que, segundo especialistas, pode promover a volta das rebeliões. Ainda assim, a derrubada do veto presidencial foi comemorada como um feito histórico pela bancada da bala.

“A maior preocupação deles é criar conteúdo para lacrar nas redes sociais. Da comissão não sai nada para melhorar a segurança pública do País. Ali se trava, sem ponderação, uma briga ideológica e meramente política para alimentar as redes sociais”, diz o pesquisador Rafael Alcadipani, professor da FVG e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O pesquisador diz que a visão unilateral reduz o debate a “achismos” e afasta a ciência de mudanças estruturais na segurança.

Saiba onde se concentra a tropa de choque bolsonarista em Brasília
(Câmara dos deputados)

Falta de civilidade

A sessão da comissão de terça-feira, 2, foi inteiramente consumida pela tentativa de convocar o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria Extraordinária de Reconstrução do Rio Grande do Sul. Três deputados do PL, o agente Gilvan da Federal (RN), o delegado Paulo Bilynskyj (SP) e o armamentista Marcos Pollon (MS) patrocinaram um debate infrutífero para tentar constranger Pimenta por meio de um tema que não tem qualquer relação com a pauta da comissão.

O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, chegou a advertir Fraga que, se os requerimentos fossem aprovados, ele mesmo anularia. A indelicadeza com quem pensa diferente é uma marca da bancada da bala.

“O Montanha utiliza o aparato público para a persecução penal”, disse Pollon, referindo-se ao personagem citado na delação da Odebrecht, na Lava Jato, na tentativa de colar o apelido em Pimenta, que por diversas vezes negou que seja a ele que o delator se referiu.

O deputado Sargento Fahur (PR), aquele do vasto bigode branco que esconde a boca e a mandíbula, só se dirige ao colega Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) por “deputado que defende bandido”. Um dos poucos que ousam incluir direitos humanos no debate, Vieira pediu que a presidência corrigisse a agressão de Fahur. Ouviu de Fraga que não poderia impedir “a livre manifestação” dos colegas, como se cobrar civilidade não fosse sua obrigação.

Troca de ofensas

Entre os autoritários mais ativos no colegiado estão o coronel Telhada (PP-SP) e dois federais, Sanderson (RS) e Gilvan (RN). Telhada (PP-SP) fez na terça-feira, 4, um longo discurso sem nexo para tentar retirar do saguão da ala das comissões uma exposição sobre a Coluna Prestes sob o argumento de que a Câmara “não é casa da mãe Joana” para abrigar “fascistas aliados do PT” que “protegem vagabundos”.

Onde há confusão, gritos e riscos de conflito físico sempre tem um parlamentar da bancada da bala. Na mesma terça, o delegado Eder Mauro (PL-PA), aos gritos, colocou o dedo próximo ao rosto do deputado André Janones (Avante-MG) na sessão da CCJ em que este saiu livre de responder processo por uso de rachadinha.

A troca de ofensas ocorreu no mesmo episódio em que Janones, ofendido, chamou para duelo o bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG). A tensão aumenta a cada operação da PF contra Bolsonaro. Policiais e militares que integram a tropa de choque do ex-presidente sabem que o cerco se fecha, mas já construíram uma narrativa para alimentar a defesa política do “mito”: para eles a tentativa de golpe não é mais do que uma fake news, um delírio que briga com as provas.