Sabor da roça

Sabor da roça

Marina Rossi Fotos João Castellano Há exatos 50 anos, José Oliveira de Almeida deixava o vilarejo de Mulungu, no sertão de Pernambuco, rumo à desvairada Pauliceia. A história poderia ser apenas mais uma, como a de tantos brasileiros que fizeram o mesmo trajeto, mas essa migração acabou mexendo no circuito gastronômico de São Paulo. Não fosse pela mudança de Seu Zé, que fincou de vez suas novas raízes na zona norte de São Paulo, a cidade certamente não teria uma das suas maiores preciosidades quando se fala em comida de raiz. Foi da ?Casa do Norte dos Irmãos Almeida?, que Seu Zé fundou junto com mais dois irmãos, que nasceu, um ano depois, o Mocotó, no bairro Vila Medeiros. Quase 40 anos se passaram e o tradicional caldo de Mocotó, que batizou a casa, ainda existe no cardápio. Além dele, o torresminho e o sarapatel também saem a todo o vapor da cozinha, que, há 12 anos, é comandada pelo filho do Seu Zé, o chef Rodrigo Oliveira, 32 anos. ?A essência da casa ainda está toda aí?, conta Rodrigo, que é paulistano de nascença. ?O Mocotó sempre foi um restaurante muito mais inclusivo do que exclusivo, e meu pai sempre foi um grande anfitrião, que tem prazer em servir. Sem dúvida, eu herdei essas características dele?, orgulha-se o filho. A escolha da receita que ilustra essa matéria traduz bem esses valores. A ?nhoca?, como foi batizada, é um nhoque feito de mandioca, com quiabo e outros legumes e temperado com tucupi, uma tradicional erva usada nas cozinhas do Norte e Nordeste do País. A essência segue as origens, mas o resultado final mostra que o talento e a jovialidade do chef contribuíram para que a casa esteja hoje num outro patamar. ?O Mocotó é o restaurante mais conhecido do quarteirão, onde, além dele, tem só uma farmácia e um despachante?, brinca Rodrigo, exagerando na modéstia. O chef e a casa já acumulam dezenas de reconhecimentos. Em 2008, o premiado chef do extinto El Bulli, Ferran Adrià, esteve nas mesas simples do Mocotó. Assim que terminou de comer, o catalão deu seu veredito: ?Isso aqui é muito moderno. Transcende o óbvio sem ser hype ou tecnológico. Quebra conceitos, estabelece um novo patamar?. Detalhe: ele estava acompanhado de Juan Mari Arzaki, outro acumulador de estrelas Michelin. Ambos convidados por ninguém menos que Alex Atala. Na contramão dos roteiros badalados do Itaim, ou da boemia chique dos Jardins, o sucesso da casa hoje definitivamente não tem a ver com a localização. Longe do circuito gastronômico da cidade, a fama do Mocotó tem o cardápio saboroso e os preços leves como alguns dos maiores méritos. A fila de espera pode durar horas. ?Fazemos comida do nosso sertão. Mas num contexto de uma cidade extraordinária, que é São Paulo?, resume o chef. ?Eu faço a mesma comida que faria em Cabrobó ou em Serra Talhada. O foco aqui é a cozinha, não o público?, diz, se referindo a duas cidades pernambucanas, nas redondezas da terra natal do pai. No último mês, o sucesso da casa transbordou até a esquina, onde, grudada ao Mocotó, a família inaugurou o Esquina Mocotó, restaurante com as mesmas essências sertanejas. ?Aqui podemos experimentar com mais liberdade?, diz Rodrigo. ?Mas as duas casas são complementares?. A nhoca, por exemplo, é um prato que só tem na nova casa. O sucesso, de certo modo inesperado, ainda assusta a família. ?Meu pai acha um exagero tanta gente assim. Quando eu resolvi abrir o Esquina, ele já dizia que não teria futuro?, diz Rodrigo. Talvez a sabedoria do Seu Zé o tenha traído nessa hora. A fama do Mocotó já atravessou fronteiras. ?Talvez, bem no fundo, ele quisesse que tudo fosse como era antes. Assim como eu, ele se assusta com a fila na porta.? Veja a receita do Nhoca ? Nhoque de mandioca na IstoÉ Gente que está nas bancas!