A artista plástica Isabella Hohagen, de 49 anos, enche um balde e uma bacia com água todas noites. Desde a crise hídrica em São Paulo (entre 2014 e 2016), ela enfrenta desabastecimento entre as 22 e as 6 horas e, com a pandemia do novo coronavírus, decidiu aumentar a reserva diária para garantir a higiene necessária. “Minha mãe (Adília, de 74 anos) que acorda às 5 (horas) da manhã sente porque tem de esperar para tomar banho, não pode nem lavar o rosto.”

Relatos semelhantes são frequentes entre moradores de casas de áreas mais altas de bairros das zonas norte, sul, leste e oeste da cidade de São Paulo, que enfrentam falta de água diariamente por causa da redução de pressão adotada pela Sabesp e pela falta de caixa d’água. Para especialistas, a medida precisa ser revista durante a pandemia, em que a água corrente e o sabão são os principais combatentes da covid-19. Procurada, a empresa informou que está “readequando os parâmetros técnicos” para atender a todos.

Há uma semana, o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) incluiu a interrupção da redução da pressão de redes de água, especialmente em favelas e periferias, como umas das dez medidas “emergenciais e estratégicas” que precisam ser tomadas na área de saneamento básico e água durante a pandemia. As indicações estão em uma carta direcionada ao poder público e a empresas do setor.

Professor de Engenharia Hídrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Antônio Eduardo Giansante considera que a redução de pressão é uma medida eficiente para reduzir as perdas de água, mas que deveria ser suspensa durante a pandemia. “Em uma emergência, como a de agora, é preciso buscar formas de suprir o desabastecimento.”

Ele explica que a redução da pressão é adotada porque o menor consumo durante a noite aumenta a pressão interna da rede, que, por ser antiga, acaba sofrendo vazamentos. Por isso, defende que a suspensão da medida ocorra durante a pandemia e seja combinada com a distribuição de caixas d’água, com capacidade para suprir o abastecimento 24 horas.

O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, também ressalta a importância do acesso pleno à água corrente e diz que o armazenamento em recipientes (como baldes) exige maiores cuidados para evitar a contaminação. “Essa falta de água corrente acaba prejudicando, deixando as pessoas mais vulneráveis.”

Outro risco de manter esses recipientes em casa é o de disseminar a dengue, uma vez que a água parada serve de criadouro para o mosquito Aedes aegypti. O Ministério da Saúde já admite a preocupação de lidar com três epidemias ao mesmo tempo nas próximas semanas: covid-19, dengue e influenza (gripe comum). O próprio site da Sabesp aponta que a redução de pressão pode causar “longas horas sem água nas torneiras” para o que chama de uma “minoria da população”. A maioria dos casos envolve desabastecimento entre a noite e o início da manhã (entre 5 e 6 horas).

Só em fevereiro, a companhia recebeu 8.684 reclamações de falta d’água. Em nota, a Sabesp afirmou que tem verificado as notificações recebidas de falta de d’água e está “readequando os parâmetros técnicos” para atender a todos. “Para isso, a empresa pede que os moradores entrem em contato pelos canais digitais e pela central de atendimento telefônico, que, por causa da pandemia de covid-19, foram fortalecidos para atender à população.”

A companhia também ressaltou a existência de uma norma da ABNT que recomenda que toda residência tenha caixa d’água. A companhia recebeu uma doação de 2,4 mil unidades do item, que serão distribuídas durante a pandemia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.