Cofundador e diretor do Programa de Negociação Internacional da Universidade Harvard, cujas técnicas são as mais utilizadas no mundo, Daniel Shapiro já preparou desde líderes de empresas que estão entre as 500 maiores do mundo até chefes de Estado de países assolados por guerras. Shapiro presidiu por três anos o Conselho do Fórum Econômico Mundial sobre Resolução de Conflitos e comandou negociações bem-sucedidas no Oriente Médio, Europa e Leste Asiático. As experiências acumuladas nos âmbitos da diplomacia, dos negócios e das relações governamentais são a base de seu último livro, “Negotiating the nonnegotiable: how to resolve your most emotionally charged conflicts”, (em tradução livre, “Negociando o inegociável: como resolver seus conflitos mais carregados emocionalmente”), que traz ferramentas para superar os geradores de conflitos em casa, no trabalho e na política. Antes de vir ao Brasil para participar do Latam Retail Show, maior evento do varejo na América Latina, Shapiro deu a seguinte entrevista à ISTOÉ, por telefone.

Como o senhor define a arte de negociar?

Grande parte do mundo ainda vê a negociação como um jogo de adversários, ou seja, mais para mim significa menos para você, e vice-versa. Nos últimos 30 anos eu venho pesquisando em Harvard e encontramos ferramentas de negociação que trazem ganhos mútuos, bons resultados para todo mundo. Nós podemos negociar de uma forma que nos divide, e isso trará mais violência e problemas, ou podemos negociar de uma forma que une as pessoas, o que beneficia a sustentabilidade e o desenvolvimento da economia, não apenas no curto, mas também no longo prazo. A negociação pode ser usada para o bem e para o mal. Está em nosso poder tomar essa decisão.

As pessoas têm conseguido negociar “para o bem”?

Certamente. Em alguns contextos mais que em outros. A base da negociação ao longo da história tem sido posicional, ou seja, eu tenho uma posição, você tem outra e nós brigamos. Vemos isso em todo o mundo, tanto em nível político quanto empresarial, o que leva ao desperdício. Uma abordagem alternativa é a negociação que foca nos desejos e interesses que realmente importam. Dessa forma é possível iniciar diálogos que funcionam para todos. Não existe conflito irrevogável quando se olha para os interesses subjacentes, tanto na vida política quanto na vida cotidiana.

Poderia dar um exemplo desse desperdício?

Uma parte do meu trabalho é no Oriente Médio, em torno dos conflitos entre palestinos e israelenses. Em 2009, um estudo analisou o custo desse conflito e concluiu que, em vinte anos, ele havia sido de 12 trilhões de dólares. Isso não é o custo para construir a paz e sim o do conflito. Eu imagino como essa região poderia ser hoje se esse dinheiro tivesse sido investido não em máquinas de guerra, mas em máquinas de colaboração, tecnologia, ferramentas, educação, para ajudar as pessoas a trabalharem mais eficientemente juntas.

Que concessões os palestinos e israelenses deveriam fazer para chegar à paz?

Existem centenas de organizações diferentes trabalhando em ideias para ajudar a avançar nesse conflito. Meu foco está no processo de negociação. Há muitas ideias concretas em termos de concessões que eles podem fazer, oportunidades para unir ganhos. Por que não se chegou a um acordo? Um fator crucial é lidar com as áreas emocionais e de identidade que os dividem. Palestinos, muitos, se não a maioria, sentem profunda humilhação, raiva, ressentimento. Do lado israelense, eu acho que ainda há um grande medo de segurança devido a fatores históricos.

Há alguma perspectiva para que esse conflito se resolva?

Há uma grande promessa para a próxima geração de palestinos e israelenses. Trabalho com diplomatas de toda a região. Estamos treinando esses diplomatas nas ferramentas de negociação, em como alcançar melhores resultados, como lidar com as complexidades emocionais e, de forma construtiva, entender e reconciliar as diferentes identidades. Esses líderes de todas as fronteiras estão juntos no mesmo programa. São pessoas de culturas e origens políticas muito diferentes, mas todos estão trabalhando e aprendendo lado a lado, construindo relacionamentos. Minha crença é que, com essas relações e fortes conjuntos de habilidades de negociação, você pode fazer muito.

Como avalia a abordagem de conflitos nas empresas?

As empresas geralmente veem o conflito como um item de linha único em seu orçamento, como simplesmente o custo legal. Isso não é verdade, há também custos indiretos de conflito. Se duas pessoas não se dão bem, sua produtividade cai. Com o estresse, há mais probabilidade de doença e o custo do seguro de saúde começa a subir. Eles deixam o trabalho cedo, falam mal da organização e a reputação diminui. Se você tem conflitos nos níveis mais altos da organização, em pouco tempo os executivos mais brilhantes pedem demissão. Além de perder grandes profissionais, será necessário empregar recursos tremendos para procurar alguém novo. Então sim, o conflito tem um custo altíssimo tanto direto como indireto, para qualquer organização.

Qualquer conflito pode ser resolvido por meio de uma negociação?

Não. Negociar é um processo, mas não é a única maneira de lidar com as diferenças. É possível nem falar sobre o problema, apenas ignorá-lo, permanecer no “status quo”. Também é possível recorrer à mediação, trazer um terceiro para ajudar a conversar. Outra maneira é por meio de arbitragem, um árbitro toma a decisão. Um tribunal oferece um juiz, essa é outra maneira de lidar com as diferenças. Também é possível usar a violência, o que seria uma má ideia. Eu penso que a negociação é a ferramenta mais poderosa, porque você tem muito poder sobre o processo de sua conversa, sobre o que você vai dizer, quando você vai dizer, e mais: se você quer se comprometer com o acordo ou não.

Os conflitos internacionais não são resolvidos por falta de boa vontade ou por desconhecimento das técnicas de negociação?

Os dois. Certamente para negociar acordos internacionais é preciso vontade política da liderança, que muitas vezes se traduz no desafio da negociação interna. As pessoas costumam ver a negociação entre países como simplesmente uma negociação entre dois chefes de Estado, mas a mais dura negociação tipicamente tenta ganhar apoio popular internamente. Ao mesmo tempo, é muito necessário que as lideranças governamentais estejam equipadas nas novas ferramentas de negociação. Tanto a vontade política quanto as habilidades de negociação são decisivas e necessárias para se chegar a um resultado ideal.

Quem foi o melhor negociador da história?

Um dos negociadores mais impressionantes que eu testemunhei em toda a minha vida foi Nelson Mandela. Eu acho que o mundo está certo em considerá-lo como um negociador sábio e muito eficaz. De uma forma muito agradável ele se tornou amigo dos guardas da prisão. Ele era carismático e muito afetivo, sabia como construir relacionamentos em nível pessoal, ao mesmo tempo em que, ampliando o quadro geral, era muito sofisticado e estrategicamente sabia para onde queria levar o seu país. Ele foi implacável em seu ativismo político e social e na negociação para seu país.

O Brasil passa por um momento político de polarização. Como negociar pode ser útil nesse contexto?

O Brasil está em meio a negociações carregadas de emoções e minha pesquisa mostra que a identidade é muito importante nesse tipo de negociação. Quando sentimos que ela está ameaçada, muitas vezes nossa mente começa a mudar a maneira como vemos nossa relação com outras pessoas. É uma tendência entrarmos no que eu chamo de “Efeito Tríade”, uma mentalidade viciada na qual entramos quando nossa identidade é atacada. Ela tem três características básicas. A primeira é adversarial, ou seja, um ataca a identidade do outro, mesmo pertencendo a uma mesma grande família, nesse caso, o Brasil. A segunda é autojustificada, ou seja, eu estou certo e o meu ponto de vista é o único legítimo. Há ainda a terceira característica, que é um sistema cruel e insolente. Eu pego meu microfone e digo o quanto você é ruim e como sou bom, você pega a sua mídia e faz exatamente a mesma coisa. O que acaba acontecendo? Os dois lados ganham impulsos um contra o outro. É perigoso.

Isso também ocorre nos EUA?

Certamente vemos muito disso agora, com republicanos e democratas, aqueles que apoiam Trump lutam contra os anti-Trump. É um problema, porque certamente temos muitas questões em comum, como a falta de moradia, sustentabilidade e desenvolvimento econômico. Apesar de interesses compartilhados, não se criam relações cooperativas.

Como avalia os posicionamentos de Donald Trump?

Como homem de negócios, Trump aprendeu muito bem a fazer um estilo particular de negociação, a posicional. Começa com uma demanda extrema, concede depois de muito resistir e demonstra disposição para se afastar da mesa de negociação. A abordagem de Trump à negociação certamente permitiu ganhar alguma coisa: ele se tornou o presidente dos EUA.

A Venezuela passa por um momento crítico. Como a oposição poderia negociar com o governo autoritário de Nicolás Maduro?

Movendo-se da Venezuela para o abstrato, a questão-chave é: se alguém quiser negociar com um ditador, primeiro é preciso entender a mentalidade dele. Por que essa pessoa está dizendo e fazendo o que faz? Que plateias tenta apaziguar, que ideologias tenta promover? É um profundo compromisso ideológico ou puramente oportunismo político? Voltando à sua pergunta, acho que seria muito importante primeiro entender que comportamentos esperamos de Maduro. Por que ele potencialmente vai dizer “não”. Então, precisaremos reformular as pergunta de uma maneira que se torne mais fácil ele dizer sim. Se um ditador sente que as pessoas estão se voltando contra ele, vai empurrá-las de volta. É uma questão de autonomia.

Isso também vale para um conflito familiar?

Exatamente. E nem sempre é apenas sobre dinheiro e poder. Eles são cruciais, motivadores em nosso mundo, mas não os únicos. Minhas pesquisas descobriram todo um conjunto de motivações emocionais, muitas vezes mais importantes que coisas como dinheiro, como o status.