Enquanto as falas recentes do presidente dos EUA sobre seu colega ucraniano geraram preocupação e desconforto em Kiev e outras capitais europeias, Moscou observa a briga com satisfação.Vladimir Putin deixou passar dois dias até reagir às negociações em Riad, capital da Arábia Saudita, onde os chefes da diplomacia da Rússia e dos EUA se encontraram para conversações sobre a Ucrânia.
Durante visita a uma fábrica de drones em São Petersburgo, o presidente russo demonstrou um otimismo cauteloso – como se quisesse amortecer as expectativas: disse que ficaria feliz em se encontrar com Donald Trump, o qual considera inteligente, e classificou as negociações em Riad como "positivas".
Enquanto os comentários recentes do presidente dos Estados Unidos sobre seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, causaram preocupação e desconforto tanto em Kiev quanto em outras capitais europeias, Putin elogiou o colega americano e atacou os europeus: "Estou francamente surpreso com a contenção do presidente dos EUA em relação a seus aliados, que se comportaram, vamos ser francos, de forma ultrajante."
"Negação da realidade"
Há muito tempo não se via tanta união entre Moscou e Washington. A porta-voz do Ministério do Exterior russo, Maria Zakharova, afirma: "A Rússia está tomando nota da reação nervosa do Ocidente aos contatos russo-americanos. Eles estão ficando realmente histéricos com isso". Na opinião dela, o Ocidente – com o que ela aparentemente se refere aos países europeus – escolheu um caminho de "negação da realidade" e "rejeição de qualquer conceito moral e ético".
O principal canal de televisão russo, Piervy Kanal, também interfere na polêmica. No programa 60 Minutos, a apresentadora Olga Skabeyeva afirmou: "A Europa não quer admitir que o mundo está mudando. Mas ele está mudando com grande velocidade." Ela lamentou a UE ter adotado agora um 16º pacote de sanções contra a Rússia. No entanto, diz-se convencida de que todas as sanções "serão suspensas na próxima semana".
O tabloide de alta circulação KP chama Zelenski de "menino de calças verdes", que a Europa está defendendo "de forma intransigente e absolutamente sem sentido". A única coisa que ele vai conseguir é que Trump se aproxime mais da Rússia, segundo o periódico,.
O jornal AiF cita um cientista político russoi: "Trump quer que Zelenski, que está em contato com seus inimigos, desapareça". O jornal vai ainda mais longe e especula sobre os "locais de refúgio mais adequados" para o chefe de Estado ucraniano após sua eventual remoção do poder. O líder do Kremlin, Putin, por outro lado, é celebrado como um vencedor que não está mais isolado no mundo ocidental.
"Criminoso de guerra como interlocutor"
Dmitri Gudkov, um ex-deputado russo que vive no exílio, também percebeu que Putin de repente se tornou aceitável para os americanos – embora sem alegria. "O criminoso de guerra que começou tudo isso agora está sendo tratado como um interlocutor com quem se conversa de igual para igual", afirma o ex-político. "Quer dizer: você pode primeiro criar problemas e depois forçar os líderes mundiais a negociarem com você sobre como resolver esses problemas", ironiza.
O ex-oposicionista russo Andrei Pivovarov é mais cético quanto às chances de uma aproximação real entre a Rússia e os EUA. A seu ver, os americanos estão deixando em aberto a possibilidade de uma reviravolta de 180 graus.
Com relação às próximas conversas de Putin com Trump, que possivelmente ocorrerão na Arábia Saudita ainda em fevereiro, de acordo com declarações da Casa Branca, ele afirma: "Não sabemos quais posições os EUA realmente tomarão. No momento, tudo o que vemos é a troca de gentilezas com a Rússia e Putin. Mas isso é apenas um agrado. O castigo virá se os americanos não chegarem a um acordo com os russos."
Mesmo blogueiros militares russos conhecidos, que são claramente a favor da guerra da Rússia contra a Ucrânia, desaconselham cantar vitória antes do tempo. Para eles, os EUA são os principais beneficiários da guerra, enquanto a Europa está fragmentada, e a Rússia, enfraquecida. Eles afirmam que um congelamento do conflito beneficiaria a todos, e a normalização das relações com os EUA seria necessária para a Rússia. No entanto, ponderam que se deve ter em mente que o próximo presidente dos EUA poderá reverter tudo dentro de quatro anos.