O deputado federal Celso Ubirajara Russomanno cumpriu, sem alarde, entre junho de 2013 e junho de 2015, um acordo judicial que acabou por livrá-lo do julgamento de um crime eleitoral – o de falsificar declaração em documento público, com pena de até cinco anos de reclusão, como prevê o artigo 35 do Código Eleitoral.

No caso concreto, o hoje líder das pesquisas para a eleição à Prefeitura de São Paulo estava denunciado, pelo Ministério Público, por declaração falsa de domicílio eleitoral em Santo André, no ABC paulista, onde concorreu à eleição para a prefeitura no ano 2000 (e perdeu para o petista Celso Daniel).

O acordo que beneficiou o deputado hoje do Partido Republicano Brasileiro – que não deu retorno ao pedido de entrevista do Estado – foi assinado no fórum de Santo André, em 7 de junho de 2013, na presença da promotora Patrícia Maria Sanvito Moroni, e do juiz Jarbas Luiz dos Santos, então atuantes na 262.ª zona eleitoral.

Em troca da suspensão condicional do processo – que acabou sendo arquivado, sem julgamento do mérito -, Russomanno obrigou-se a comparecer, uma vez a cada eleidois meses, ao cartório da 262.ª zona, à rua Marquesa de Santos, 52, em Santo André. E assim o fez, batendo o ponto no cartório a cada bimestre do período – 12 vezes, no total. Findo o prazo, o processo número 6706.2012.626.0262 foi arquivado, em setembro do ano passado. Russomanno comemorou. Era, afinal, o enterro silencioso de um esqueleto que o atazanava desde 1999, e no qual driblara, ao longo de quase 16 anos, com muitos advogados, decisões desfavoráveis na primeira e na segunda instâncias da Justiça Eleitoral de São Paulo e, até, por duas vezes, no Supremo Tribunal Federal.

Legislação – O benefício que permite a suspensão condicional de um processo, mediante certas condições, está previsto no artigo 89 da Lei 9.099, de 1995. Ele diz que se a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos. É necessário, para tal, que o acusado não esteja sendo processado, ou não tenha sido condenado por outro crime, além de outros requisitos exigidos pelo artigo 77 do Código Penal.

O juiz Jarbas entendeu que Russomanno atendia essas exigências – e, no mesmo acordo, concordou em conceder-lhe a liberalidade de não ter que informar sua saída de São Paulo a cada vez que precisasse fazê-lo. “Considerando-se a carreira política do denunciado, eventual ausência da Comarca, em razão de viagens a trabalho, não necessitará de prévia autorização judicial”, diz o documento firmado em junho de 2013.

Derrotas – O começo do caso está em 29 de setembro de 1999. Russomanno estava, então, no PPB de Paulo Maluf. Pretendia disputar a eleição do ano seguinte para a prefeitura de Santo André. Para habilitar-se, requereu à 262ª zona eleitoral a transferência de seu domicílio eleitoral. Declarou, em 29 de setembro de 1999, que alugara, desde 14 de junho, um apartamento na rua Luiz Pinto Flaquer, 500, em Santo André.

Também concorrente à eleição, o PSB do município acusou Russomanno por declaração falsa, e pediu que o Ministério Público eleitoral impugnasse o domicílio. Russomanno obteve uma liminar que permitiu sua participação na eleição – teve 80 mil votos, contra 250 mil de Celso Daniel -, mas, no mérito, o juiz José Luiz Silveira de Araujo o condenou. Foi a primeira derrota de Russomanno.

Ele recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral – e perdeu, por unanimidade, uma segunda vez. O acórdão com essa decisão – número 136.172, de 17 de agosto de 2000 – acata os três argumentos da primeira instância: 1) O proprietário do apartamento disse que Russomanno esteve no local uma vez, mas não contratou o aluguel, porque não havia garagem; 2) três moradores do prédio disseram que nunca o viram por lá; 3) inexistiu consumo de energia elétrica no período alegado. “Esse conjunto probatório” – diz o acórdão do TRE-SP, assinado por seis juízes – “é demais sólido para identificar que o recorrente não residiu no local declinado.” Russomanno mais uma vez recorreu, com embargos, e amargou a terceira derrota.

Em junho de 2000, o foro privilegiado de deputado federal levou o processo para o Supremo Tribunal Federal. Ali ele tramitou, por dez anos, como o inquérito 1645, em que o Ministério Público Federal acusava o parlamentar pelo crime do artigo 350. A denúncia contra Russomanno, relatada pelo ministro Eros Grau, foi aceita, por unanimidade, em 5 de junho de 2008. Em junho de 2012, rejeitando todos os recursos dos advogados de Russomanno – inclusive o que alegava prescrição -, o STF autuou o inquérito como ação penal, [AP 685]tendo o ministro Luiz Fux como relator.

Como naquele momento o réu não mais tivesse foro privilegiado – perdera a eleição de 2010, para o governo de São Paulo, vencida por Geraldo Alckmin, e estava sem mandato – Fux, no mesmo junho de 2012, mandou que a ação prosseguisse na primeira instância, justo a 262.ª zona eleitoral de Santo André, onde foi rebatizado como AP 6706.

Em 17 de agosto daquele mesmo ano, o juiz eleitoral Jarbas Luiz dos Santos deu um despacho em que não acolheu nenhuma preliminar dos advogados de Russomanno – entre elas a que pedia sua “preservação”, já que, argumentaram, seria candidato a prefeito de São Paulo na eleição de 2012. “Inacolhível”, escreveu o juiz Jarbas. “O que deve ser preservado é a lei.”As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.