Consagrado por seus escritos que misturam experimentação ousada de linguagem com o retrato panorâmico da classe trabalhadora brasileira, Luiz Ruffato está decepcionado com o rumo político do Brasil.

“É muito difícil falar sobre política no Brasil porque as pessoas não querem falar. Estão muito polarizadas”, lamenta. “O sistema político brasileiro é tão problemático que, neste ano, ninguém tem candidato.”

No seu novo livro, A Cidade Dorme, o escritor passeia por temas como a família, os deslocamentos por entre o Brasil, o futebol na vida das pessoas, a ditadura militar e a vida contemporânea em São Paulo. São textos curtos que retomam assuntos recorrentes no seu projeto ficcional: o desenraizamento e inadequação da classe média trabalhadora na sociedade brasileira.

O livro será lançado nesta quinta, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, a partir das 18h.

Ruffato aceita de bom grado a alcunha de “escritor político”, mas é verdade que, em sua ficção, não aparecem políticos no sentido estrito do termo. “Sempre que a literatura tem alguma mensagem a trazer, ou um compromisso com algo que não seja a própria literatura, ela já não é literatura, é outra coisa”, reflete.

“O Paulo Freire dizia: na vida, temos que ser radicais, mas não panfletários. Essa radicalidade, para mim, está em trazer aspectos da sociedade que não estão presentes na literatura brasileira. Isso é uma visão de mundo política, mas não é panfletária nem engajada.”

Ao relembrar autores latino-americanos que experimentaram colocar políticos e diplomatas em romances (Alejo Carpentier, Augusto Roa Bastos, Miguel Ángel Astúrias), Ruffato lamenta a face pouco permeável de governantes em geral. “Qual a diferença entre os nossos políticos, do ponto de vista da complexidade? Nenhuma.”

Aos 57 anos, ele observa com cuidado o destino próximo do Brasil. “A situação de intervenção no Rio é injustificável. O Exército na rua tem duas possibilidades: enfrentar (a criminalidade), o que seria uma complicação, porque o Exército não tem esse papel; ou ficar refém da situação e se desmoralizar, o que é pior.”

Outro elemento muito presente nos contos do livro é o futebol, e sua relação com a sociedade – e a política – brasileira.

“Se alguém quiser representar o universo da realidade brasileira, vai esbarrar com o futebol. Ele tem que estar lá. Outra ausência na literatura brasileira, que é curiosíssima, é a questão do pentecostalismo. Representa 30% da população brasileira. Ignorar isso é estranho. Tenho tentado colocar nos livros, isso está muito presente nas minhas preocupações como escritor.”

O conto que fecha o livro, A Alegria, publicado pela primeira vez na sua versão integral (35 páginas), se distancia das outras histórias ao operar num registro diferente do “realismo”.

Nele, o personagem viaja no tempo e no espaço de maneira anárquica, quase onírica – embora o escritor afirme que não se lembra dos próprios sonhos. “No Inferno Provisório, há histórias que fogem do realismo mais óbvio. Não sei se vou voltar a isso algum dia. Esse conto abre chaves para outras histórias, mas não é algo que eu quero fazer…”

Geração 90

Em 2018, completam-se 15 anos do lançamento da segunda parte das antologias Geração 90, organizadas por Nelson de Oliveira. Na edição de janeiro do jornal literário Cândido, o crítico Luis Augusto Fischer destacou a carreira internacional de Luiz Ruffato, “notável exceção (…), que parece ter mais carreira fora do Brasil do que dentro dele, com suas 15 traduções (para alemão, francês, espanhol e italiano) e, não menos, dois polpudos fortíssimos prêmios internacionais, o Casa de Las Américas, em 2013, e o Herman Hesse, em 2016.”

Para o escritor, a literatura brasileira não existe fora do Brasil. “Não é porque ela é ruim, é porque o Brasil não tem importância no contexto internacional.”

Sua carreira internacional tem, segundo o próprio, pouco a ver com esforços coletivos ou mesmo institucionais. “Muito da invisibilidade que temos lá fora é responsabilidade do Estado. Por mais que muitos achem que a cultura é desnecessária, não é assim. Todos os países civilizados têm um instituto para divulgar sua cultura no exterior. Nós temos lances episódicos.”

Quanto à chamada Geração 90, Ruffato lembra que o grupo abriu portas ao ter algum êxito em se profissionalizar. “Dizíamos: ‘Somos escritores, queremos ganhar dinheiro com literatura’. No final do século 19, já existiam escritores que pensavam assim, mas essa postura de encarar o mercado, não ter preconceito contra vender livro, foi uma coisa nova, bacana.”

A CIDADE DORME

Autor: Luiz Ruffato

Ed.: Companhia das Letras (128 págs., R$ 39,90, R$ 27,90 digital)

Lançamento: 5ª (1º, 18h), na Livraria Cultura do Conjunto Nacional

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.