Imagine viajar pelos locais mais gelados do planeta durante meses sem um teto sobre a sua cabeça. Essa é a ideia do velejador Beto Pandiani, que parte para sua oitava aventura marítima aos 64 anos. Sem cabine e sem motor, seu catamarã é movido apenas pela força dos ventos — ou através dos pedalinhos acoplados na embarcação no caso de calmaria. Ao lado do também velejador Igor Bely, francês de 38 anos, o “Projeto Rota Polar” irá além da mera diversão para dois apaixonados pelo mar e pela adrenalina. Durante a viagem, que deve durar cerca de quatro meses, uma imensa pesquisa será feita. “Vamos produzir um documentário sobre o impacto ambiental na região e também produziremos diários de bordo sobre o cotidiano da viagem”, diz Pandiani.

PRIMEIRA VEZ A travessia entre Miami e Ilhabela, em 1994, durou 289 dias e marcou o início das aventuras do velejador (Crédito:Divulgação)

Além do documentário, o projeto publicará um livro e artigos que retratarão as principais consequências do aquecimento global na região: como a sociedade, a economia e cultura se comportam com o rápido degelo do Ártico? As imagens captadas durante toda a travessia, que deve durar até setembro de 2022, devem ser reveladoras para estudar a região, seus problemas e possíveis soluções. Os velejadores também pretendem entrevistar cientistas ligados às pesquisas realizadas no Hemisfério Norte. A preocupação com o meio-ambiente é global, mas Pandiani quer aproximar essa realidade — distante do brasileiro geograficamente — para o cotidiano das pessoas, já que o derretimento da calota polar devido à emissão de gases poluentes na atmosfera é cada vez mais visível aos olhos humanos. A travessia, inédita nessas condições, irá abordar como a poluição e o aquecimento global movimentam a geopolítica da região. Quem dominará mares nunca antes navegados caso o gelo desapareça? “Nem todo mundo sabe, mas o Ártico é gelo sobre a água, enquanto a Antártida é gelo sobre a terra. Se o Ártico derreter, não há o que ser feito”, alerta Pandiani.

DESAFIOS Em viagem por águas chilenas, o brasileiro atravessou o cabo Horn, ponto alto da expedição feita no ano 2000 (Crédito:Divulgação)

O “Projeto Rota Polar” começará no dia 9 de março com uma pré-travessia feita para chocar a sociedade e chamar a atenção do público para a questão ambiental. O lançamento da aventura acontecerá com Pandiani velejando no Rio Pinheiros, em São Paulo, local conhecido por sua poluição e constantes processos de recuperação. O trajeto será entre a Usina São Paulo e a Ponte Estaiada. “O Rio Pinheiros mudou bastante, hoje é possível usar a ciclofaixa para correr, pedalar e aproveitar a região. Sou um otimista e acredito que as coisas podem mudar, pois vemos as pequenas mudanças acontecendo”, diz. Sobre as previsões dos ambientalistas para o aumento da temperatura do planeta, ele prefere focar nas atitudes individuais que cada um pode tomar. “Cuidar do seu lixo, observar o próprio consumo, substituir o plástico pelo vidro, as pequenas coisas, sabe?”, comenta.

Para o cidadão comum parece impossível passar uma única noite em um simples bote em alto mar, mas os dois aventureitos estão preparados. Beto Pandiani e Igor Bely são experientes no assunto e vão usar a modernidade e jogo de cintura para completar a missão. “Serão dois meses sem noite, de ‘plena luz’, mas não vejo problemas nisso. Se não ventar, vamos ter que pedalar. Não sou ciclista, mas vou dar tudo de mim”, diz empolgado. No catamarã, na parte onde geralmente fica a tela, foram instalados dois pedalinhos, o que exigirá força dos aventureiros.

Sem cabine, a grande aliada da sobrevivência será a tecnologia: roupas de última geração, comida, bebida e telefone via satélite guardados dentro do casco da embarcação em recipientes à prova d’água. E para dormir? “Em 2013 ficamos 37 dias em alto mar, improvisamos um saco de dormir em formato de sarcófafo ao lado do casco”, explica. Os dois também são amparados pela marinha local e farão paradas estratégicas pelo trajeto. A saída está marcada para o final do mês de maio no Alasca, nos EUA, e terminará na Groenlândia. O período crítico deve acontecer no final de agosto, com a chegada ao trecho bloqueado pelo gelo. “A janela de abertura do mar, sem estar congelado, é pequena. Uma vez liberada, o objetivo é chegar ao Atlântico Norte”, conta. A viagem não tem um calendário fixo, com datas das paragens e o que acontecerá exatamente em cada momento, já que esses detalhes dependem da natureza. Quem quiser ver de perto essa jornada quase inacreditável poderá fazê-lo no aconchego da própria casa e debaixo das cobertas, acompanhando as redes sociais do projeto.

Experiência radical

A travessia de Beto Pandiani pelas águas geladas do Hemisfério Norte nunca foi feita antes nas condições planejadas. Afinal, quem decide se jogar no gelo em um catamarã à vela?

ROTA
O roteiro parte de Nome, no Estreito de Bering no Alasca, em direção à Groenlândia, numa jornada de três mil milhas margeando a calota polar. A conhecida Passagem Noroeste foi palco de inúmeras expedições trágicas no passado, que tinham como objetivo encontrar uma rota comercial entre a Europa e a Ásia

ESTUDO
Durante a viagem, serão coletadas imagens e entrevistas com cientistas ligados à pesquisa na região: biólogos, meteorologistas, glaciologistas e historiadores. O material coletado virará documentário, livros e artigos voltados à educação

CARREIRA
Beto Pandiani abandonou a vida de empresário e começou a se dedicar ao mar em 1983, quando adotou a vela como esporte. Em 1994, começaram suas viagens radicais pelos oceanos. Ele possui sete grandes expedições no currículo