05/04/2018 - 16:17
Ao contrário de muitos muçulmanos rohingyas exilados em Bangladesh, Abdullah faz parte dos que decidiram ficar em Mianmar, apesar de continuar vivendo com medo.
“Já não temos esperança. Estamos à mercê do governo”, declara à AFP este rohingya de 34 anos na aldeia de Shan Taung, nos arredores de Mrauk-U, a ex-capital do estado de Rakhine.
No entanto, não há soldados nem milícias budistas neste povoado situado a dezenas de quilômetros do epicentro do recente surto de violência contra os rohingyas.
Abdullah trabalha como agricultor apesar de ter ensino superior e não se atreve a ir ao centro de Mrauk-U nem às aldeias de Rakhine por medo de ser agredido.
A violência provocou a saída de 700 mil rohingyas para Bangladesh desde agosto de 2017. A ONU acusa o Exército birmanês de fazer uma limpeza étnica.
– Vizinhos budistas –
Esses muçulmanos temem, sobretudo, seus vizinhos budistas da etnia rakhine, que consideram que a região pertence a eles.
Abdullah viveu com uma família rakhine durante seus anos como estudante em Sittwe, a principal cidade da região. Agora “já não me tratam como antes”, lamenta.
As já complexas relações entre as comunidades se romperam completamente. “Os rakhine vigiam para se assegurarem que ninguém na cidade seja amigo dos muçulmanos”, afirma sob anonimato um jovem rakhine que vive em Mrauk-U.
Calcula-se que restem em Mianmar 500 mil rohingyas, em sua maioria no estado de Rakhine, onde alguns vivem em aldeias espalhadas e outros em campos de deslocados nos arredores de Sittwe.
Cerca de 130 mil vivem amontoados nesses campos construídos como casas temporárias depois do episódio de violência religiosa em 2012. São autorizados a sair aos poucos e não têm acesso à educação e a cuidados médicos.
“Os direitos fundamentais, o acesso à saúde, à educação e a outros serviços essenciais ficaram muito sob suspeita”, lamenta Pierre Peron, porta-voz em Mianmar do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha).
“Têm medo a cada passo que dão, em todo o país. Não há segurança nem respeito pelas leis para rohingyas e muçulmanos”, acusa Kyaw Soe Aung, secretário-geral do partido de apoio aos rohingyas.
Os birmaneses rejeitam, inclusive, a palavra “rohingya” e os chamam de “bengaleses”, para que fique claro que os consideram imigrantes clandestinos procedentes de Bangladesh.
Para muitos, o direito de ser chamado de “rohingyas” é primordial, mas outros, como Abdullah, o relativizam.
“Nossas vidas foram destruídas por causa da palavra rohingya”, afirma. “Aceitaríamos qualquer nome, exceto o de bengaleses. Se o aceitarmos, um dia nos expulsarão dizendo que viemos de Bangladesh”, acrescenta.
“Os muçulmanos que ficam aqui nos dizem que têm medo. Restam muitas casas” que não foram incendiadas nos distúrbios de 2017, rebate Ye Htut, administrador de Maungdaw. O governo também considera que a comunidade internacional fica ao lado dos rohingyas.
– Isolamento –
Os rohingyas consultados pela AFP afirmam que o isolamento é maior nas aldeias. Nas cidades como Sittwe e Maungdaw, um jornalista da AFP viu recentemente jovens rohingyas assistindo uma luta de boxe tradicional organizada por budistas.
Aqueles que têm algum dinheiro pagam surbornos para conseguir sair desta região, uma das mais pobres de Mianmar, e ir para Rangum.
“Na vida real não é um problema. Somente no Facebook”, onde o ódio aparece, assegura sob anonimato um rohingya de 20 anos, morador de Rangum, que assegura ter amigos budistas.
Com um amigo, rohingya como ele, lançou um site que compila as notícias falsas sobre os rohingyas em Mianmar. Em seu cotidiano, se apresenta como muçulmano, sem dizer que é rohingya.