Há anos a Alemanha planeja um memorial para os milhões de mortos na Polônia ocupada na 2ª Guerra. Atrasos levaram a solução provisória, e "pedra da vergonha" em Berlim desperta antigo clamor por reparação trilionária.Em Berlim, uma rocha de quase 30 toneladas recorda, desde a segunda-feira (16/06), os 5 a 6 milhões de poloneses mortos pelos invasores nazistas durante a Segunda Guerra Mundial(1939-1945). Justamente nesse local do bairro Tiergarten, entre a Chancelaria Federal e o histórico Reichstag, sede do parlamento, ficava a Casa de Ópera Kroll, onde em 1º de setembro de 1939 Adolf Hitler anunciou a invasão da Polônia.
Trata-se de uma iniciativa de sociedade civil, lançada em 2017 por amigos alemães da Polônia, entre os quais políticos de ponta, e agora alvo de críticas cáusticas. O projeto original, de uma Casa Teuto-Polonesa, abrigando, além de um memorial, também um centro de documentação e um polo de encontro, vem sendo adiado há bastante tempo.
A pedra memorial é uma solução provisória, com o fim de polir um pouco a imagem da Alemanha, não só junto à parcela liberal e pró-europeia da sociedade polonesa, como também aos meios conservadores em torno do líder do Partido Lei e Justiça (PiS), Jaroslaw Kaczynski. No fim das contas, porém, o cálculo deu errado.
Pedra da discórdia indigna conservadores poloneses
Como todo projeto teuto-polonês, a bem-intencionada ideia foi parar no redemoinho político entre o governo de centro-esquerda do primeiro-ministro Donald Tusk e a oposição nacional-conservadora. Pois a desconfiança em relação a Berlim é parte inalienável da visão de mundo do PiS.
"Um espetáculo absurdo. Em vez de reparação real, flores debaixo de uma rocha", exclamou na plataforma X um dos afiliados ilustres da legenda populista de direita, o ex-chefe de governo Mateusz Morawiecki. "Nenhum político polonês deve se ajoelhar diante de uma pedra antes que os alemães se ajoelhem diante da verdade e acertem contas por seus crimes."
Outro político do PiS, o deputado Szymon Szynkowski vel Sek, justificou assim seu rechaço: "Por um lado, os alemães não querem falar de reparações e indenizações pela Segunda Guerra Mundial, por outro, forçam a gente a se alegrar com uma pedra."
O ex-ministro do Exterior Pawel Jablonski condenou o monumento como expressão da "mentirosa política histórica alemã", afirmando que toda presença de um político polonês na inauguração seria "traição dos interesses nacionais da Polônia".
"Depois de 80 anos… uma pedra ao invés de compensação real. Um símbolo indigno, perante a dimensão do sofrimento polonês", queixou-se no X Arkadiusz Mularczyk. De 2022 a 2023, como secretário de Estado no Ministério do Exterior do governo liderado pelo PiS, ele coordenava os esforços pelas reparações alemãs, as quais, segundo cálculos poloneses, chegariam a 1,3 trilhão de euros.
Já o ministro do Exterior do atual governo de coalizão, Wladyslaw Teofil Bartoszewski, defendeu o projeto: "Há anos nos engajamos por esse memorial. É bom que ele vá ser criado. Primeiro vem a pedra, depois o memorial, numa localização muito boa de Berlim. É um marco."
História sem fim
Nas redes sociais da Polônia há dias se agita uma verdadeira shitstorm: fala-se de "pedra da vergonha", "descaramento alemão", "um espetáculo vergonhoso". Também usuários moderados colocam em dúvida a boa fé dos alemães, perguntando-se se o projeto da Casa Teuto-Polonesa vai mesmo dar em algo.
Até veículos de imprensa não ligados ao PiS veem a homenagem com olhos entre céticos e críticos: "Os alemães não entendem os poloneses", afirmou Estera Flieger no jornal Rzeczpospolita. "Trata-se de estar na mesma altura, olho a olho: ou as relações teuto-polonesas serão de parceria, ou não vai haver relação nenhuma." A Polônia não é mais "a irmã mais pobre da Alemanha na Europa", advertiu, acusando os alemães de não terem registrado essa mudança.
De fato, os esforços por um memorial digno para as vítimas polonesas da Segunda Guerra Mundial lembram uma história sem fim. Como encarregado de Varsóvia para contatos com a Alemanha e Israel, de 2007 a 2015 o ex-prisioneiro do campo de concentração de Auschwitz Wladyslaw Bartoszewski exigiu insistentemente um local de homenagem.
Como esses apelos não encontraram ressonância, em 2017 a sociedade civil alemã tomou a iniciativa. Endossada por líderes políticos, reivindicou do parlamento e da opinião pública um memorial "no centro de Berlim" às vítimas do terror nazista na Polônia ocupada.
Apesar de críticos advertirem contra uma "nacionalização do discurso da vítima", em 2020 o Legislativo aprovou a criação de um "local de recordação e encontro". Mas só em junho de 2024 o governo finalmente deu andamento ao projeto do memorial – até a queda do governo de coalizão liderado pelo social-democrata Olaf Scholz pôr todos os projetos teuto-poloneses no freezer.
O projeto de construção do memorial, porém, foi resgatado no acordo de coalizão de governo do atual chanceler federal Friedrich Merz.
"Os poloneses chateiam"
A rocha da discórdia provisória é uma forma de apresentar algo concreto por ocasião dos 80 anos do fim da Segunda Guerra, pelo menos mostrando que a Alemanha não esqueceu as vítimas polonesas. Porém o presidente polonês eleito, Karol Nawrocki – político independente aliado ao PiS que deverá assumir em 6 de agosto –, já anunciou que manterá a pressão por uma indenização.
"A questão das reparações, ao contrário do que pensa Tusk, esse lacaio do Estado alemão, não está resolvida", disse ele a um jornal antes mesmo do segundo turno das eleições, prometendo lutar pela causa "desde o primeiro dia de sua presidência".
O novo parlamento alemão deverá dar em breve o sinal verde para a realização da Casa Teuto-Polonesa. Porém alguns anos deverão passar até sua inauguração, sendo pouco provável que as últimas testemunhas polonesas dos crimes de guerra alemães possam vivenciar esse momento.
E assim o tema continuará ocupando a política e a mídia. "Os poloneses chateiam, e chateiam com razão: eles fizeram por merecer que a Alemanha os leve a sério", comentou o editor-chefe do jornal Berliner Zeitung, da capital alemã, Tomasz Kurianowicz.