Por viver numa bolha de autovalorização em relação aos demais gêneros, a música clássica exige que o público “aprenda” uma série de regrinhas e pratique o que Adorno chamava de “escuta ativa” nos concertos. Não funciona. Só repele novos públicos. Neste momento ameaçador para as artes, é preciso estabelecer comunicação de primeiro grau com o público.

Dois exemplos radicalmente diferentes aconteceram esta semana. De um lado, a Osesp propôs pontes entre o complexo concerto de Schoenberg e o populismo da Rhapsody in Blue de Gershwin, dividindo o público: uma parte adora a ousadia e detesta a repetição e a outra vice-versa.

No mesmo sábado, 25, a Orquestra Sinfônica Municipal, sob a regência de Roberto Minczuk, optou por chegar até o público. Populismo raso, dirão. Até pode ser. Mas emocionou a plateia que lotou o Teatro Municipal: um telão projetou uma carta de Maria Amélia, jornalista negra de 34 anos, à sua mãe, assassinada pelo pai, ao som da Pavana para uma princesa morta, de Ravel. A peça é arquiconhecida. Mas ganhou atualidade vinculada à luta contra o feminicídio galopante.

E, apostando que o público, capturado pela Pavana, seguiria ligado, encadeou obras que falam da morte como injustiça. Promoveu a estreia mundial de Meia Lágrima, da venezuelana Elodie Bouny sobre poema de Conceição Evaristo (“da língua cortada/ digo tudo,/ amasso o silêncio”) e fechou a primeira parte com o sempre impactante Villa-Lobos com seu vibrante Magnificat Aleluia. Três peças curtas e os ouvidos já seduzidos acompanharam com atenção os 45 minutos do Requiem do mago inglês dos musicais Andrew Lloyd Webber. As 10 partes são desequilibradas – qualquer especialista apontaria vários defeitos estruturais. Mas o que vale em Webber são as melodias. E como elas são cativantes. Duvida? Ouça no YouTube o célebre Pie Jesu, angelical duo de sopranos.

Nem tudo foram flores em termos de qualidade de interpretação. Além da orquestra, participaram o Coro Lírico, o Coro Infantojuvenil da Escola Municipal de Música e três solistas. Em destaque, as sopranos Marly Montoni, de bela e potente voz, trágica em Meia Lágrima mas capaz de soar angelical no citado Pie Jesu, Mariana Neves, do coral infantojuvenil (que já brilhara na Missa de Bernstein ano passado), e o veterano Rubem Medina, de 76 anos.

Claudicaram as trompas no início da Pavana. Houve ainda leves desencontros aqui e ali. Acontece (como semana retrasada, com as sempre imprevisíveis trompas, na Sinfonia nº 7 de Bruckner com Thomas Zehetmair e a Osesp).

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Fica a lição. Não se deve “exigir” do público que se achegue à música, ao contrário, é a “construção” do concerto que tem de estabelecer pontos de contato com a plateia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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