“Minha mãe quer se casar com você, Roberto.” “Minha mãe está aqui, ó.” “Roberto, minha mãe quer se casar com você”. As pessoas estão vendo há uma semana, pelas redes sociais, a inédita quebra de decoro artístico praticada por Roberto Carlos no instante em que ele tenta se concentrar cantando Como é Grande o Meu Amor por Você enquanto ouve um fã oferecendo sua mãe em matrimônio com uma insistência embriagada. Roberto estava irritado.

Segundo sua assessoria de imprensa, aquele foi só o auge de uma noite em que o mesmo cidadão já havia feito outros gracejos chegarem aos ouvidos do cantor. Foi então que, na contramão de tudo o que dizia a canção, ele usou a breve pausa entre as frases “como é grande o meu amor” e “por você” para mostrar como era imenso o ódio que sentia por aquela criatura com uma frase que, aqui, precisa ter mais pontos do que letras: “Cala a boca, c……, p….”.

Ainda assim, pecando pela boca e pela breve incapacidade de resignação diante de um espírito obsessor, Roberto é um santo perto do que consta nas fichas policiais que relatam revides, agressões, guitarradas, socos e xingamentos desferidos por artistas que, no pleno exercício de suas funções, não suportaram atitudes de fãs que, vá entender, pagaram para estar ali.

Aos 81 anos, Roberto entra no hall das tretas históricas do show biz que nasceu contratando seguidores para gritar nos shows. Em 1942, mais de dez anos antes de o rock and roll vir ao mundo, o agente de imprensa de Frank Sinatra, George Evans, contratou garotas de 15 e 16 anos para berrarem durante os shows com um extra garantido àquelas que tinham coragem de também se jogarem no chão, revirar os olhos e simularem um desmaio. A “swoonatra”, uma referência a “swoon”, desmaiar em inglês, foi denunciada e a prática, abortada. Isso tudo, claro, antes de Sinatra se tornar Sinatra.

Amy Winehouse não disse uma palavra ao fã que arremessou um chapéu em sua cabeça na edição de 2008 do festival Glastonbury, na Inglaterra. Educada, seguiu dançando bem perto das pessoas que cantavam Rehab até localizar quem pensou ser seu agressor e desferir uma cotovelada seguida de um jab de direita bem no rosto de um jovem.

James Gostelow, a vítima, mostrou-se lisonjeado à BBC. “Nem todo mundo pode dizer que apanhou de Amy Winehouse.” Disse isso e algo mais: Amy havia se equivocado. Não foi Gostelow quem atirou o chapéu no penteado cinquentinha da cantora.

A sorte do rapaz que foi ao show de Roberto Carlos para arranjar um padrasto é que o guitarrista Keith Richards não estava no palco. Em sua autobiografia, Live, Richards conta como situações embaraçosas provocadas por pavões embriagados podem deixá-lo perigosamente cego. É quando tudo pode acontecer. Assim que um deles subiu ao palco dos Rolling Stones durante um show feito em 1981 para correr por detrás de Mick Jagger sabe-se lá por qual razão além da insanidade natural de um fã dos Stones que ouve Satisfaction, Richards tirou a guitarra da correia, a segurou em posição de porrete, esperou o rapaz se aproximar e mandou dois ou três golpes no peito do invasor. “Telecasters servem como um ótimo taco”, disse ele. Arrependido, acabou pagando os 200 dólares de fiança do fã apreendido.

E se fosse Axl Rose? Em 1991, em um show realizado em St Louis, Missouri, quando não havia celulares com câmeras e, logo, nem artistas com paciência para serem fotografados durante todo o show, o vocalista dos Guns n’ Roses foi aos seguranças reclamar de um fã que não parava de tirar fotos. Ao sentir que os agentes não fariam nada, ele disse algo como “ok, eu falo isso”, e partiu para cima do retratista. Pegou a câmera, voltou ao palco, quebrou o microfone e se despediu da plateia. “Graças a essa segurança ruim, eu vou para casa”. Foi uma péssima ideia. Mais de 60 pessoas terminaram o quebra-quebra feridas e a banda teve que arcar com o prejuízo de mais de 1 milhão de dólares pelos danos no Riverport Amphitheater.

Daqui pra frente a barra fica ainda mais pesada. Ken Casey, da banda Dropkick Murphys, fazia um show em homenagem ao St. Patrick’s Day de 2013 quando percebeu que uma pessoa da plateia oferecia uma inacreditável saudação nazista à banda enquanto ouvia o cover de TNT, do AC/DC. Casey atravessou o palco e alcançou o fã para socá-lo, bater em seu corpo com o contrabaixo e ordenar que se retirasse. “Nazistas não são bem-vindos em um show do Dropkick Murphys!”, disse, para uma plateia em ovação.

Maynard James Keenan, da banda Tool, fez mais. O fã que teve a infeliz ideia de invadir seu palco foi surpreendido por um golpe de artes marciais que o derrubou no palco, seguido por uma chave de braço que o imobilizou enquanto Keenan, que havia servido às Forças Armadas, e isso é o mais surreal, seguia cantando a soturna Pushit como se tudo aquilo fosse uma coreografia.

E os rappers do A$AP Mob no SXSW de 2012? Talvez a treta mais sinistra de todas tenha sido na última noite do festival, quando teve início uma discussão entre os integrantes do grupo, uns oito caras, e alguém da plateia que teria aproveitado um mosh de um dos integrantes na pista para lhe roubar sua bandana. O grupo parou o show e foi à frente do palco discutir com os fãs. Depois de um tempo, um objeto foi arremessado no palco e o grupo não teve dúvidas: desceu em bloco disposto a esmurrar a plateia inteira.

Akon, também rapper, deu outro destino a um fã de 15 anos que, disse, teria arremessado algo em seu corpo. Indignado, Akon pediu que os seguranças levassem o “agressor” até ele. O menino magrinho, Anthony Smith, foi colocado a seu lado, em frente a uma plateia com mais de 20 mil pessoas. Akon o colocou nos ombros, o levantou e o arremessou de volta ao público como se fosse um saco de batatas, ferindo outro jovem. A justiça o condenou a 65 horas de serviço comunitário e ao pagamento de uma multa no valor de US$ 250.

E assim, voltamos ao Brasil um pouco mais aliviados. Caetano Veloso já mandou ver contra vaias de estudantes universitários preconceituosos indignados com a presença de Odair José no festival Phono 73 e contra vaias de ricos bêbados na inauguração do Credicard Hall, em 1999, indignados com as exigências proféticas de João Gilberto. Nenhum ferido.

Aliás, o som que João denunciou ali, diga-se, não seria arrumado nem nos próximos 20 anos.

E quanto a Roberto Carlos, alguém que perdeu as estribeiras aos 81 anos, é preciso contar algo mais. O Estadão apurou que sua produção vem tentando resolver as questões relacionadas à invasão prematura dos fãs ao gargarejo desde 2018, durante uma longa temporada no Espaço das Américas (atual Espaço Unimed).

Uma estratégia seria usar grades, mas elas se mostraram perigosas demais. Outra possibilidade foi triplicar a segurança no final do show, mas isso poderia trazer um clima de tensão. O que disse Roberto depois de tantas tentativas? “Deixe o meu público chegar, ele merece e eu gosto disso.”