[posts-relacionados]O escritor inglês Robert Harris, de 61 anos, conversou com a ISTOÉ sobre o lançamento do romance “Munique”, lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Trata-se de seu décimo terceiro romance em 27 anos de carreira como autor de sucesso. Ele é famoso por misturar ficção e história, em doses iguais. Seu romance inaugural, o best-seller “Pátria” (Fatherland, de 1992), usa a história conjectural para retratar um mundo distópico na década de 1960, dominado pelos nazistas que venceram a Segunda Guerra Mundial. Ele teve êxito com a “Trilogia de Cícero” – “Imperium” (2006), “Lustrum” (2009) e “Dictator” (2015) – sobre a vida do orador e tradutor romance Cícero, baseada em uma extensa pesquisa em documentos históricos. “Munique”, por seu turno, equilibra fantasia e ficção. Abaixo, ele explica como escreveu o romance e faz hipóteses sobre se tivesse seguido um caminho ainda mais fantasioso.

Por que você escolheu o Acordo de Munique?

Escolhi escreveu sobre a Conferência de Munique porque o assunto me fascinou ao longo dos últimos 30 anos – desde que produzi um documentário sobre ele para a televisão BBC em 1988, para marcar o 50º aniversário do evento. Minha ideia para personagem para o livro: o secretário particular de Neville Chamberlain, que viaja com o primeiro-ministro para se encontrar com Hitler. Esse personagem vive uma crise conjugal. Ele sabe que a mulher tem um caso, e não sabe se enfrenta o problema e a abandona ou se faz as pazes com ela. É o mesmo dilema que, de alguma forma, também reflete o de Chamberlain. Eu não fui adiante porque não consegui pensar em um elemento adicional que iria transformá-lo em um romance. Então, dois anos atrás, eu tive a ideia de criar um personagem alemão que havia estudado com o personagem anterior na Universidade de Oxford em 1930, mas não tinham se encontrado desde então. De repente, eu tinha a história do livro. Ela me permitiu olhar para a Conferência de Munique através de novos olhos.

Até que ponto você utiliza instrumental histórico e qual o papel da fantasia nos seus livros?

Meu objetivo em Munique é dar vida ao passado, mostrar que foi uma história mais complicada do que a imaginada pelo público. De fato, ela representou a derrota para Hitler (que queria a guerra) e a vitória de Chamberlian, que se esforçou em transformar o encontro em um acordo de paz. Assim eu estabeleci o desenrolar da trama em quatro dias e utilizei todos os fatos históricos, incluindo a pesquisa que eu fiz há 30 anos, quando conversei com Lorde Home (Alec Douglas-Home, 1903-1995), o primeiro-ministro britânico entre 1963 e 1964, que, na juventude, havia viajado de fato com Chamberlain e se encontrado com Hitler. Em torno desse quadro factual, teci minha fantasia.

No romance “Pátria”, de 1992, você lançou mão da técnica da história alternativa, que privilegia a ficção aos fatos. Em que situação ela pode ser útil ou legítima para abordar fatos históricos? O livro me lembra “Complô contra a América”, de Philip Roth, sobre o que aconteceria se o piloto e simpatizante nazista Charles Lindbergh houvesse se tornado presidente americano. Você leu esse livro?

Penso que a história alternativa é um instrumento útil para estimular a imaginação e enxergar o mundo de uma forma diferente. Eu pensei em converter “Munique” em história alternativa – imaginando que Chamberlain teria conseguido fazer o que Churchill queria, e não teria assinado o acordo. Então Hitler teria invadido a Tchecoslováquia. Em minha opinião, Hitler teria imposto uma vitória rápida e os britânicos e franceses teriam feito um acordo de paz. No final, porém, tudo isso ficou muito hipotético. O fato é que a realidade daquele episódio era fascinante. Não, infelizmente não li o romance de Roth.

Em “Munique”, você criou uma dupla de personagens plausíveis de terem existido, em uma narrativa que pode ser definida como um romance de espionagem. Porque você tomou essa decisão?

Meu objetivo foi dramatizar a conferência. Criei personagens que permitiram o seguinte: um capaz de testemunhar Chamberlain de perto, outro de fazer parte da entourage de Hitler. Houve um movimento de resistência a Hitler que começava naquele momento, havia uma conspiração para prendê-lo, e os líderes do complô entraram de fato em contato com os britânicos.  Eu apenas inseri a ideia (bastante plausível) de que meu personagem alemão poderia tentar passar documentos secretos ao velho amigo. O fato de que eles não conseguiram evitar a Segunda Guerra Mundial não tornou, espero, a história menos interessante.

Você também descreveu um encontro entre Chamberlain e Hitler no dia seguinte da Conferência. O encontro aconteceu de fato, já que esse encontro parece improvável?

O encontro aconteceu de fato no apartamento de Hitler. Eu tive a oportunidade de visitar o apartamento de Hitler em Munique, que pertencia à polícia, sem acesso ao público. A visita acendeu minha imaginação. Chamberlain obteve de Hitler a assinatura da famosa folha de papel. Ele foi ridicularizado por isso a partir de então, mas não foi algo tão ingênuo como as pessoas imaginam Primeiramente, as palavras do acordo continham de fato promessas de paz de Hitler, não alguma fantasia de Chamberlain. Em segundo lugar, ele contou na ocasião a Lorde Home que, mesmo que Hitler quebrasse a sua palavra, ele conseguiria provar sua desonestidade ao mundo. Ele achava que haveria um enorme impacto sobre a opinião pública americana, que poderia voltar a Londres, que poderia voltar para Londres e consolidar a posição da parte dos Aliados, “e então eu farei algo muito importante quando voltar a Londres”. Daí sua decisão de, ao voltar a Londres, acenar para as câmeras do noticiário acabou destruindo sua reputação. Mas, de uma modo estranho, foi o que Chamberlain queria..

Uma questão interessante que seu romance suscita é a da relação fraternal entre a elite britânico (especialmente a Família Real) e a Alemanha. Você acha que a simpatia era mútua, ou os britânicos eram mais simpáticos aos alemães? Esse foi um problema para Chamberlain?

Sim, a Família Real Britânica era essencialmente alemã. Eles falavam alemão em casa. O rei e a rainha ficaram encantados com o acordo e conduziram Chamberlain à sacada do Palácio de Buckingham para acenar a centenas de pessoas que se reuniram no Mall – foi a primeira fez que isso aconteceu. Eu não acho que os sentimentos pró-alemães da Família Britânica foram um fator decisivo. A verdade é que os britânicos – que perderam 800 mil homens na Primeira Guerra Mundial havia menos de 20 anos – estavam desesperados para evitar outra guerra, que pensavam que iria ser ainda pior que a última.

 O que teria acontecido se os Aliados houvessem atacado a Alemanha logo depois de invasão da Tchecoslováquia, em vez de ter tentado um acordo com os nazistas? Esse ataque teria prevenido o massacre de eslavos no início da Segunda Guerra Mundial?

Eu acho que o Acordo de Munique foi inevitável. Os britânicos possuíam somente 20 aviões modernos de alta altitude em 1938. Por volta de 1940, a RAF (Força Real Britânica) já era dez vezes maior. Acredito realmente que se houvéssemos ido à guerra por causa do caso da Tchecoslováquia, teríamos perdido a batalha, e os alemães teriam dominado a Europa. Quem sabe se o Holocausto teria ainda acontecido? Nunca saberemos. Dado que 60 milhões de pessoas foram mortas na guerra mais terrível da história, era valiosa uma última tentativa de preservar a paz. Hitler pensava que Munique lhe custou a guerra. Em 1945, pouco antes de morrer, há um relatório sobre o que ele disse? “Não devíamos ter iniciado a guerra em 1938. Setembro de 1938 teria sido o momento perfeito.” Não esqueça que não foram apenas os Britânicos que usaram esse tempo de respiro para se armarem novamente. A União Soviética produziu nesse meio tempo 30 mil tanques, algo crucial na derrota final da Alemanha.

 Você poderia nos contar sobre seus novos projetos literários?

 Estou trabalhando em um romance novo que eu espero publicar no ano que vem. É bem diferente de meus outros livros. Prefiro não dizer nada sobre ele neste estágio do trabalho…