A princípio, as milícias envolvidas na guerra interna pelo controle da Zona Oeste do Rio de Janeiro foram criadas por policiais. Atualmente, elas não têm agentes ou ex-agentes atuando no primeiro escalão. No entanto, segundo investigações da Corregedoria da Polícia Militar, muitos deles fazem parte dos grupos paramilitares como seguranças dos chefes, armeiros e até apoiando os ataques e invasões. As informações são do O Globo.

As disputas entre as milícias nas últimas décadas fez com que civis e ex-traficantes acendessem até chegar ao comando.

Os dois principais grupos envolvidos nessa guerra interna são dominados por ex-aliados que romperam relações no fim de 2020. Luís Antônio da Silva Braga, conhecido como Zinho, controla o grupo paramilitar que atua em Campo Grande, Santa Cruz e Paciência, na Zona Oeste. Já Danilo Dias Lima, o Tandera, comanda a milícia presente no bairro Jesuítas, em Santa Cruz, Manguariba, Palmares e está se expandindo em direção à Baixada Fluminense.

Ambos não são policiais ou ex-policiais. Mas foram recrutados por agentes e, depois, subiram de posição nas milícias.

Zinho e Tandera são oriundos do mesmo grupo paramilitar, que foi criado nos anos 2000 pelos irmãos Jerônimo Guimarães Filho e Natalino José Guimarães. Os dois atuavam como inspetores da Polícia Civil. Em um determinado momento, eles juntaram outros policiais e passaram a cobrar taxas da população que morava em Campo Grande, com o pretexto de enfrentar traficantes e ladrões.

Jerônimo e Natalino foram presos depois da CPI das Milícias, feita pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Então, o comando foi passando por diversos policiais militares.

Um a um foi sendo preso e, com o tempo, não houve mais substituto natural. Nesse momento, se iniciou uma guerra interna pelo comando.

O primeiro líder fora da curva foi o ex-traficante Carlos Alexandre da Silva, conhecido como Carlinhos Três Pontes. Com ele a milícia começou a expandir os seus negócios e dominou alguns territórios da Zona Oeste.

Nesse momento, Carlinhos e os seus dois irmãos Wellington Braga, o Ecko, e Luís Antônio Braga, o Zinho, começaram a eliminar os concorrentes que não gostaram do fato de um ex-traficante estar no comando de um grupo paramilitar.

Em menos de um ano, cinco integrantes da milícia, sendo dois policiais militares, foram mortos ou simplesmente desapareceram.

Carlinhos também fez com que a milícia começasse a se envolver na venda de drogas. Em 2017, ele foi morto em um confronto com a polícia e Ecko o sucedeu.

Ecko permaneceu como líder do grupo paramilitar até 2021, quando foi morto durante uma operação da Polícia Civil.

O comando então foi disputado por Zinho e Tandera. Os dois romperam relações e Tandera criou a sua própria milícia.

Uma investigação da Corregedoria da Polícia Militar apontou que, apesar de não estarem no controle, os agentes ainda fazem parte dos grupos paramilitares.

“O número de egressos de forças de segurança realmente diminuiu, mas ainda estão lá. A participação fica mais restrita a outras funções, como o vazamento de informações sigilosas, o que prejudica muito o trabalho da polícia. A rede de contatos desses grupos tem uma capilaridade enorme”, disse o delegado Thiago Neves Bezerra, titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco).

“Hoje, ao contrário do que acontecia há duas décadas, as autoridades não falam abertamente de modo favorável sobre esses grupos em público. Os elos tornaram-se mais discretos, só não quer dizer que não existam. E essa lógica vale tanto para policiais quanto para o sistema político-partidário. Você pode não ter vereadores e deputados no organograma, mas os vínculos persistem”, disse Daniel Hirata, sociólogo e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Procurada pelo O Globo, a Polícia Militar afirmou que as ações da Corregedoria “resultaram na exclusão de envolvidos e desestimularam o engajamento neste tipo de prática criminosa”. A corporação informou que, entre 2018 e 2021, expulsou 428 agentes. Porém não relatou se eles tinham ligação com as milícias.

A Polícia Civil comunicou que a sua força-tarefa de combate aos grupos paramilitares tem inquéritos abertos a respeito das participações de agentes. A corporação também informou que já prendeu 30 policiais associados a milícias.