Suspensas desde 2020 devido à pandemia de covid-19, as celebrações da Semana Santa deste ano têm movimentado as cidades históricas de Minas Gerais e São Paulo. As prefeituras e paróquias comemoram a volta de turistas e fiéis para acompanhar alguns dos mais antigos rituais da Igreja Católica. Iniciada no último domingo, 10, com a celebração de Ramos, marcando a entrada de Jesus em Jerusalém, a Semana Santa se encerra neste domingo, 17, com a Páscoa.

Em Ouro Preto, ao menos 20 mil turistas, segundo a prefeitura, já estão na cidade para acompanhar as liturgias em meio ao casario colonial e igrejas históricas. As encenações da Via-Sacra, que revive a agonia de Jesus desde a oração no Horto das Oliveiras até o sepultamento, após a morte na cruz, começaram de madrugada. Os 60 atores saíram da Igreja de Nossa Senhora das Dores e seguiram até a Capela do Senhor do Bonfim, acompanhados por centenas de turistas.

A secretária paroquial de Nossa Senhora das Dores, Celina Santana, disse que, embora o uso da máscara tenha sido liberado, muitos fiéis e turistas ainda usam a proteção. “Fica ao gosto de cada pessoa. O importante é que lotem as igrejas, pois o País precisa de orações”, disse.

Ela contou que a procissão do fogaréu, uma tradição do século 18, aconteceu entre o fim da noite e a madrugada de quinta-feira, 14, pela segunda vez em cem anos. O ritual foi retomado em 2019, mas parou nos dois anos seguintes devido à pandemia. Cerca de 60 pessoas vestidas de preto e com capuzes saem à rua carregando tochas de fogo, ao som de instrumentos de percussão.

Também volta a montagem dos tapetes de rua, suspensa na pandemia. A prefeitura disponibilizou serragem e material para a confecção dos desenhos que vão cobrir o percurso da procissão da ressurreição, neste domingo de Páscoa, da Basílica de Nossa Senhora do Pilar até o adro da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, onde haverá missa festiva. “O objetivo desses tapetes é homenagear o Santíssimo Sacramento que é conduzido em procissão, solenemente, pelas ruas de nossa cidade”, explicou o padre Adilson Umbelino Couto, da paróquia de Pilar.

A montagem começa na noite deste sábado e mobiliza, além de voluntários, muitos turistas. No domingo, as janelas das casas coloniais de Ouro Preto serão enfeitadas com tapetes coloridos para a passagem da procissão. O costume remonta ao século 18. As toalhas de cores claras e rendadas, geralmente em branco, lembram a ressurreição de Cristo.

Essas tradições são mantidas também em Mariana, Tiradentes, Congonhas e São João Del Rei. Em Congonhas, os turistas aproveitam o intervalo entre as celebrações para apreciar as esculturas dos profetas de Aleijadinho, esculpidas em pedra sabão, em tamanho real.

O professor Abgar Campos Tirado, músico e comentarista sacro, disse que algumas celebrações, como o Ofício das Trevas, em São João Del Rei, são rituais únicos. “É uma tradição de mais de 300 anos, com os cânticos em gregoriano, latim e rococó, algo que não se vê em outro lugar”, disse.

Fiéis lotam catedral de Aparecida

No Estado de São Paulo, no Santuário Nacional de Aparecida, os fiéis lotaram as dependências externas e parte da catedral, que tem capacidade para 30 mil pessoas. O arcebispo dom Orlando Brandes presidiu a missa da Ceia do Senhor, no altar central, na noite de quinta-feira, 14, com o templo quase lotado. No ano passado, devido à pandemia, a maioria das celebrações não teve presença de público.

Na tradicional cerimônia do Lava-Pés, que lembra a instituição do sacramento da eucaristia, Brandes disse que lavar os pés é um ato de humildade de amor ao próximo. “Lava pés significa um chute na discriminação e também um chute em todo tipo de exclusão. Lava pés é para que ninguém seja indiferente diante de toda realidade que nós vivemos”, disse na celebração.

Nesta Sexta-Feira Santa, único dia do ano em que a missa não é celebrada, houve a encenação da Via Sacra, o caminho percorrido por Jesus até sua morte.

Na reflexão, o padre Lucas Emanuel lembrou as vítimas da covid-19. “Nós vivemos a dor da morte para sentirmos o quando nos faz falta a presença de Deus”, disse. A atriz Ana Cecília Menezes, que fez o papel de Maria, mãe de Jesus, comemorou a volta da encenação sem máscara. “Depois de dois anos, estamos mostrando o rosto e representando melhor a dor da mãe que vê o sofrimento do filho”, disse.

Em Pirapora do Bom Jesus, na região metropolitana de São Paulo, havia um “congestionamento” de cruzes, na manhã desta sexta. Peregrinos chegavam de várias cidades do interior carregando o símbolo da Paixão de Cristo.

“Depois de dois anos que ficaram sem vir, os fiéis voltaram com muita fé. Não haverá espaço para tanta cruz e elas serão distribuídas entre as comunidades”, disse a secretária paroquial Denise Monteiro. Com a suspensão das missas, o Santuário realizava orações de hora em hora, desde as 5 da manhã.

O mecânico Edno Cristiano de Moraes chegou às 7 da manhã com um grupo de Sorocaba e uma cruz de 5 metros. “É pesada, mas a gente se revezou para carregar”, disse, contando que participa da romaria há mais de dez anos para pagar uma promessa. “Foi uma graça muito grande, um milagre, a saúde da minha filha. Alugamos um lugar para passar a noite, pois vamos assistir o Sermão das Sete Palavras e acompanhar a Procissão do Senhor Morto”, disse.

Em Itu, a professora aposentada Firmina Fonseca do Amaral participou da vigília do Santíssimo no Santuário Nacional do Sagrado Coração de Jesus, como faz há 30 anos. “No ano passado e em 2020, por causa da pandemia, fiz a vigília em casa. É bom estar de volta para agradecer por estar aqui e rezar pelos que se foram. Eu mesma perdi alguns parentes”, disse.

Ela ainda participaria da Meditação das Sete Palavras e da Procissão de Enterro, à noite, na Igreja de Nossa da Candelária. “Sábado temos a vigília pascal, tudo isso em igrejas centenárias, com um patrimônio cultural imenso”, disse.