Risco mortal no jornalismo em Gaza: o caso Anas al-Sharif

Repórter da emissora Al Jazeera foi assassinado por ataque israelense junto com mais quatro colegas. ONU acusa grave violação do direito internacional."Quando estas palavras chegarem até vocês, saberão que Israel conseguiu me matar e silenciar minha voz." Esta é a última publicação do jornalista palestino Anas al-Sharif. Ele reportava diretamente da Faixa de Gaza para a emissora de TV catari Al Jazeera.

O texto, em inglês e árabe, fala sobre sua fé, a Palestina e sua família, é datado de abril e deveria ser publicado em caso de sua morte. A mensagem foi publicada na noite deste domingo (10/08).

Pouco antes, o repórter de 28 anos havia sido morto intencionalmente por um bombardeio israelense – junto com quatro colegas que também trabalhavam para a Al Jazeera: o repórter Mohammed Qreiqeh, os cinegrafistas Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal, e Moamen Aliwa. Os jornalistas estavam em uma tenda designada para eles perto do Hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza. Em um comunicado, a emissora chamou o incidente de "assassinato seletivo" e um "ataque descarado e deliberado à liberdade de imprensa".

Israel o acusa de terrorismo

É raro que Israel não apenas reconheça, mas também anuncie um ataque fatal contra jornalistas. Em seu comunicado, as Forças de Defesa de Israel (FDI) descreveram Anas al-Sharif como um "terrorista que se passava por jornalista da Al Jazeera". Os militares israelenses afirmaram que ele era o chefe de uma célula terrorista da organização terrorista Hamas e responsável por ataques com foguetes contra civis israelenses e tropas das FDI.

Como suposta prova, o Exército apresentou registros sobre al-Sharif em documentos supostamente internos do Hamas. Tanto as acusações como os próprios documentos foram divulgados por Israel diversas vezes nos últimos meses.

Na noite seguinte à morte de al-Sharif, a emissora britânica BBC noticiou que, antes do conflito atual, o jornalista havia trabalhado temporariamente para uma equipe de mídia do Hamas. A BBC também afirma que em algumas de suas postagens em redes sociais antes de sua morte ele fez críticas ao Hamas.

ONU e organizações jornalísticas rejeitam alegações

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) escreveu no X que o ataque militar à tenda dos jornalistas foi uma "grave violação do direito internacional humanitário". O governo federal alemão também se referiu ao direito internacional e exigiu esclarecimentos de Israel.

No final de julho, a relatora especial da ONU para a liberdade de expressão, Irene Khan, declarou: "Estou profundamente preocupada com as repetidas ameaças e acusações do Exército israelense contra Anas al-Sharif, o último jornalista sobrevivente da Al Jazeera no norte de Gaza."

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), uma ONG internacional defensora da liberdade de imprensa, publicou um comunicado no final de julho alertando para a "campanha de difamação dos militares israelenses". O texto também tinha uma citação de al-Sharif com as seguintes palavras: "Vivo com a sensação de que posso ser bombardeado e me tornar um mártir a qualquer momento".

Em reação ao assassinato, o CPJ divulgou uma declaração de sua diretora regional, Sara Qudah: "O padrão israelense de retratar jornalistas como militantes sem fornecer evidências confiáveis levanta sérias questões sobre suas intenções e o respeito à liberdade de imprensa. Jornalistas são civis e nunca devem ser alvos." Desde o início da guerra de Gaza, o CPJ afirma ter contabilizado 186 jornalistas mortos.

Em entrevista à DW, Martin Roux, da Repórteres sem Fronteiras (RSF), também falou de uma "campanha de difamação destinada a justificar o assassinato de um jornalista". Ele acrescentou que al-Sharif não era apenas um jornalista proeminente da Al Jazeera, mas também a voz dos palestinos sofredores na Faixa de Gaza. "Atacá-lo com uma campanha de difamação e matá-lo é mais um aspecto do bloqueio midiático imposto por Israel", disse Roux.

"Jornalismo incorporado"

Desde os primeiros dias da guerra, Israel negou amplamente o acesso de jornalistas estrangeiros à Faixa de Gaza. Os militares israelenses destruíram grande parte da faixa costeira e, de acordo com uma decisão do governo, agora devem capturar completamente a Cidade de Gaza.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, argumenta que o objetivo de guerra continua sendo a destruição do Hamas, que governa a Faixa de Gaza. Em 7 de outubro de 2023, o Hamas matou cerca de 1.200 pessoas em Israel e sequestrou outras 251 na Faixa de Gaza, em um ataque terrorista sem precedentes.

Vídeos retratando dois reféns israelenses esquálidos recentemente geraram indignação em Israel; ao mesmo tempo, as críticas à condução da guerra por Israel crescem no exterior. Segundo as Nações Unidas, toda a população da Faixa de Gaza está sob ameaça iminente de fome. Inúmeras organizações de direitos humanos – incluindo, mais recentemente, ONGs israelenses – acusam Israel de cometer genocídio em Gaza. Uma alegação que está sendo investigada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ).

Em junho, mais de 200 veículos de comunicação exigiram, em carta aberta, livre acesso de jornalistas à Faixa de Gaza. As imagens e informações divulgadas por veículos de comunicação internacionais vêm, em sua maioria, de jornalistas locais que trabalham como repórteres ou correspondentes para esses veículos. Alguns colaboram com redações ou escritórios de correspondentes fora da Faixa de Gaza há anos. As autoridades israelenses acusam repetidamente jornalistas palestinos na Faixa de Gaza de falta de objetividade.

Com poucas exceções, Israel nega o acesso de jornalistas internacionais à Faixa de Gaza. Somente no âmbito do chamado "jornalismo incorporado" – jornalismo inserido em estruturas militares –, alguns jornalistas selecionados são autorizados a viajar a Gaza por algumas horas. Os jornalistas ficam então sob a supervisão de soldados e devem ter seu material bruto aprovado pela censura militar. Os repórteres que aproveitam essa oportunidade estão cientes de que estão sendo apresentados apenas à perspectiva do Exército israelense.

Israel considera processar New York Times

Para reportar o que acontece no território palestino em guerra, redações também dependem de relatos de jornalistas palestinos, de organizações como Médicos Sem Fronteiras e de outras entidades humanitárias, além de contatos em Gaza. Veículos de comunicação internacionais também são alvos recorrentes do governo israelense.

Netanyahu anunciou recentemente que estava considerando uma ação judicial contra o jornal americano The New York Times. O jornal havia publicado a foto de uma criança gravemente desnutrida na Faixa de Gaza em sua primeira página em julho. Somente após a publicação, a equipe editorial soube que a criança também sofria de uma condição preexistente, segundo relatos. Netanyahu nega ter intencionalmente deixado a população palestina passar fome, embora diversas organizações humanitárias culpem Israel pelo fato de que significativamente menos suprimentos do que o necessário continuam chegando a Gaza.

Na mesma ocasião, Netanyahu também disse que havia ordenado ao Exército que permitisse a entrada de mais repórteres estrangeiros na Faixa de Gaza para que pudessem ter uma visão mais aprofundada dos "esforços humanitários de Israel" e também dos "protestos civis contra o Hamas". Netanyahu não especificou se ele se referia ao livre acesso ou ao "jornalismo incorporado".

Anas al-Sharif e seus colegas integravam uma das poucas equipes de reportagem que ainda restavam na Faixa de Gaza.