Diretor-geral adjunto do Banco de Compensações Internacionais (BIS, uma espécie de banco central dos bancos centrais), Luiz Awazu Pereira da Silva vê como risco mais importante de longo prazo a inflação se tornar sistemicamente mais elevada, o que levaria a uma mudança de “regime inflacionário”, saindo do período que ficou conhecido como a “grande moderação”. “Se a dose de aperto (alta dos juros) for insuficiente, ou se políticas fiscais inconsistentes forem adotadas, a inflação pode se consolidar nas expectativas de todos e virar um problema bem maior”, diz ele, que foi diretor do Banco Central e secretário no Ministério da Fazenda. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Em que medida a inflação no mundo pode ser importada pelos países emergentes neste ano?

O retorno da inflação tem sido um fenômeno global. Ganhos de eficiência mundial que reduziam custos locais foram revertidos depois da pandemia. Somente na Ásia a inflação permaneceu relativamente moderada, pelo menos até recentemente, pois nos últimos meses houve retomada importante na maioria dos países, com exceção da China e do Japão. Em três de cada quatro economias avançadas, a inflação ultrapassa 5%. Em mais da metade dos mercados emergentes, está acima de 7%.

Quais os riscos à frente?

A inflação pode permanecer alta para além deste ano, por causa de problemas na oferta e na produção. O conflito na Ucrânia poderá causar novos aumentos de preços de energia, alimentos e outras commodities, o que levaria a novas altas em preços de bens e serviços. Se houver novos lockdowns na China, isso causaria problemas adicionais nas cadeias globais de produção. O risco mais importante de longo prazo é o de a inflação se tornar sistemicamente mais elevada, levando a uma mudança de paradigma ou de regime inflacionário, saindo do período que ficou conhecido como a “grande moderação”. Quando a inflação é baixa e estável, naturalmente chama menos atenção e sua influência sobre a formação de salários e preços é menor. Mas, se a alta de preços se torna mais generalizada, esta dinâmica pode mudar, levando a uma espiral inflacionária em que altas de preços e salários se retroalimentam.

Como equilibrar esse dilema, entre mais inflação ou uma possível recessão?

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Se os bancos centrais não conseguirem calibrar a sua dose certa de aperto monetário, no tempo certo, para tentar conter tendências inflacionárias de curto prazo, podem acabar induzindo uma queda excessiva de atividade e até uma recessão. E isso deve ser evitado. Se a dose de aperto for insuficiente, ou se políticas fiscais inconsistentes forem adotadas, a inflação pode se consolidar nas expectativas de todos e virar um problema bem maior.

O fluxo de recursos estrangeiros para os emergentes é crescente. Isso vai seguir?

O volume de capital que ia para a Rússia antes da guerra já era muito pequeno. As estatísticas do BIS mostram que os bancos já haviam reduzido pela metade sua exposição àquele país desde 2014. O benefício para outros países desse potencial redirecionamento de fluxos não é significativo. Mais significativo, a longo prazo, é a queda potencial de fluxos de capital para outros países. Não é impossível que, em um mundo geopoliticamente mais fragmentado, os fluxos de comércio e capital se alterem. Alguns mercados emergentes vão sair perdendo, e outros podem se beneficiar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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