A Prefeitura do Rio de Janeiro trata o evento como um Réveillon antecipado, com esquema de segurança igual ao da maior festa de final de ano do País. Mais de um mês antes, os hotéis cariocas anunciam taxas de reservas iguais às do Carnaval (entre 80% e 90%) e trabalham com expectativa de lotação máxima. A Embratur (Agência de Promoção Internacional do Turismo) divulgou aumento de 27% no número de turistas estrangeiros programados para desembarcar na primeira semana de maio. Companhias aéreas montaram bases temporárias no Aeroporto do Galeão para darem conta dos 170 voos extras programados. Toda essa movimentação para atender ao maior show da artista mais bem-sucedida da música, Madonna, que escolheu a praia de Copacabana para encerrar sua comemoração de 40 anos de carreira, em 4 de maio. Será a quarta vez que a rainha do pop se apresenta no Brasil.

Caso supere o público de 1,3 milhão dos Rolling Stones na mesma areia célebre, em 2006, ela protagonizará mais um recorde e superará a soma de todos os 80 concertos anteriores da sua Celebration Tour, que passou pela Europa, pelos EUA e fará escala no México antes daqui. É a confirmação da Madonnamania, caso de amor recíproco desde que ela surgiu, em 1983.

O fanatismo por Madonna não é exclusividade brasileira, tanto que no dia em que datas e ingressos da turnê foram disponibilizados, as entradas esgotaram em 7 minutos em Paris, 10 em Amsterdã, 15 em Nova York e 20 em Londres, o que fez com que aumentassem as 35 apresentações iniciais para 51.

Ela atrasou a tour ao contrair uma séria infecção bacteriana no meio do ano passado e, quando se recuperou, sua agenda já tinha 80 shows. O último a confirmar foi justamente o do Brasil.

Tamanha devoção global tem a ver com a condução da carreira da artista desde que surgiu nos prolíficos anos 1980. Madonna é a matriz do fenômeno da cultura de massa, que já tinha seus representantes masculinos na música, como Elvis Presley e os Beatles.

No universo artístico, há dois grupos protagonistas: clássicos e pontuais. Os últimos tendem a ser mais comerciais, aproveitam uma trilha fértil e nascem com data de validade. Já a estrela clássica é a que perdura e se torna referência, com mistura de pioneirismo, qualidade e originalidade, tornando-se inspiração para os pretendentes seguintes. Nos anos 1980, quem atingiu esse patamar foram ela e Michael Jackson.

Cartaz da festa na praia promete transformar Copacabana na maior pista de dança do mundo na noite de 4 de maio
(Divulgação)

Swifters

Atualmente, há fenômeno parecido com a cantora Taylor Swift. Os seus números de consumo e alcance, aliás, são maiores do que os de Madonna, só que mais uma vez recorrendo ao espírito de quatro décadas atrás, a construção da carreira da rainha do pop foi tão mais lenta quanto mais envolvimento conquistou de fãs, que reproduziam a devoção pelos meios de comunicação de massa.

Na época, ela e Michael Jackson eram figuras conhecidas por todas as classes, credos e gerações, da avó à neta. Hoje, a atual diva sobressai mais em faixa etária e classe social específicas. “A Madonna perdura porque ela é pioneira. Falava em sexualidade quando isso era tabu. Deu início aos mega shows, circulava na moda, no cinema e quando aparecia vinha com um elemento chocante aliado a uma figura disruptiva”, diz Tiago Andrade, professor de Sociologia e coordenador de Ciências do Consumo da ESPM.

“Sempre foi vanguarda na sonoridade e introduziu de forma especial gêneros underground em suas músicas como referência, o que impulsionou hip hop e eletrônico, por exemplo”, acrescenta o produtor Rick Bonadio, principal revelador de talentos no Brasil, como Mamonas Assassinas, Charlie Brown Jr., Rouge e NX Zero.

A rainha do pop posa durante gravação de campanha que escreveu, estrelou e dirigiu (Crédito:Divulgação )

O desbravamento musical é a tinta da penúltima carta de amor dela ao Brasil, antes da definição de transformar Copacabana na maior pista de dança do mundo, como anota o cartaz do show.

Em 2019, no álbum Madame X, Madonna gravou a faixa “Faz Gostoso”, da funkeira portuguesa (nascida no Ceará) Blaya.

Morava em Portugal, tinha familiaridade com a língua e convidou Anitta para cantar com ela. A aproximação entre as duas ocorreu quando postaram foto no camarim do Madison Square Garden, em Nova York, onde a brasileira se apresentou.

E pouco depois, a diva pop postou uma das filhas dançando música da carioca. “Tenho tantos fãs no Brasil, não podia só cantar uma música de Portugal… Não há coincidências”, justificou o dueto. No clipe da canção, há imagens do País e até da vereadora Marielle Franco.

“Ela é irreverente, brinca com a própria imagem e tem olhar sempre carinhoso com o Brasil. Além de uma postura nada colonizadora em relação ao Sul global, o que a torna muito simpática a nós”, diz Gisela Castro, pesquisadora em Subjetividade, Comunicação e Consumo.

“Ela namorou com o DJ e modelo Jesus Luz e trabalha com brasileiros em sua equipe há muitos anos, como o diretor de arte Giovanni Bianco. Tem conhecimento da nossa cultura, é fã de Caetano Veloso, Lulu Santos e adora Bossa Nova, como Astrud Gilberto. Além disso, também fala e entende muitas palavras em português”, completa Rafael Arena, presidente da mais antiga comunidade da cantora no País, Madonna Online.

Peixoto a conheceu ainda criança, em Crato, no Ceará, e estará em Copacabana (Crédito:Divulgação )

O sertão virou pista

O cearense Daniel Peixoto é exemplo do alcance e influência de Madonna por aqui. Ele nasceu na época em que a artista explodiu e durante sua infância, ela era das poucas que chegavam pelo rádio ao município de Crato, no sertão do Estado, onde morava. Fez aulas de canto, piano, teatro e uma tatuagem da musa.

Com a banda Montage, tornou-se o príncipe do electro nacional, elogiado pelo jornal inglês The Guardian e figurante de playlist de Justin Timberlake. Mas a música que primeiro alcançou um milhão de execuções foi cover de “La Isla Bonita”, da cantora. Desde 2018, quando ela completou 60 anos, Daniel alterna show autoral com apresentação em homenagem a Madonna. Ele só não esteve na estreia nos palcos brasileiros da artista, em 1993, na tour The Girlie Show (do álbum Erotica). Em 2008, na Sticky & Sweet (do disco Hard Candy), e em 2012, acompanhou de perto.

“Na turnê MDNA (2012) cheguei à tarde e a peguei passando o som, sem maquiagem, à luz do dia. Ela quis trocar ideias, aprender palavras em português. E a vi ensaiar ‘Vogue’ 12 vezes seguidas”, afirma. “Já estou me preparando para o show no Rio. Protetor solar e chegar cedinho, pois tenho certeza que ela vai ensaiar durante o dia.”

A leitora e o leitor podem pensar que a foto cima é de Madonna. Não é. Trata-se de seu fã Daniel Peixoto (Crédito:Divulgação )

Certeza ainda não há referente a detalhes da festa no Rio. Existem especulações sobre a participação de Anitta e sobre as costumeiras visitas que faz às comunidades cariocas.

Em 2009, ela foi ao Morro de Santa Marta, em Botafogo, para levantar fundos à sua ONG, SFK (Success For Kids).
Em 2012, assistiu ao projeto social AfroReggae em Vigário Geral. Lá, visitou a casa de moradora e o local onde Michael Jackson gravou o clipe de They Don´t Care About Us.
Há sete anos, quando veio para o casamento de seu empresário, Guy Oseary, com a modelo brasileira Michelle Alves, foi ao Morro da Providência para conhecer o projeto social Casa Amarela.

No aniversário de 63 anos, posou com os seis filhos; (em sentido horário) Lourdes Leon, Rocco Ritchie, David Banda, Mercy James e as gêmeas Estere e Stella (Crédito:Divulgação )

É certo que neste encerramento de turnê retrospectiva ela tocará seus principais sucessos.

Os shows costumam durar pouco mais de duas horas, com roteiro bem amarrado.

Após abertura com “Nothing Really Matters”, de 1998, vem um bloco oitentista com “Burning up”, “Holiday”, “Everybody” e “Like a Prayer”.

Com a filha Mercy James ao piano, canta “Bad Girl”.

Emenda bloco anos 1990 — “Vogue”, “Human Nature”, “Bedtime Story”, “Ray of Light e Rain”.

Vira cowgirl em “Don’t tell me”, toca cover do clássico de Gloria Gaynor “I will Survive”, traz “Like a Virgin” misturada a “Billie Jean”, de Michael Jackson, e encerra com a ode a sí própria, “Bitch, I’m Madonna”, “Celebration” e “Music”.

Em 2018, com Anitta: “Sempre bom topar com amiga talentosa e linda”, postou Madonna (Crédito:Divulgação )

Aberta para balanço

A fase revisionista da cantora não se restringe à música. A turnê interrompeu o filme autobiográfico que ela mesma dirige, Little Sparrow (Pequeno pardal).

Retornou à gravadora Warner, onde começou a carreira de 400 milhões de álbuns vendidos e que cuidará do relançamento de seu catálogo, com novas versões e material inédito.

Além disso, costuma levar quatro de seus seis filhos ao palco durante os shows —Mercy James toca piano, David Banda, violão, e Lourdes Leon e Rocco Ritchie participam do baile cenográfico em “Vogue”.

As gêmeas Stella e Estere, aos 12 anos, vão a alguns shows. Já os pais da artista são exibidos em fotografias no telão em “Mother and Father”.

Em 2016, deixou nuas partes íntimas de seu corpo para protestar contra etarismo (Crédito: Dave Hogan)

O balanço de carreira se reflete no palco. O cenário é dividido em cinco partes que representam zonas de Nova York, onde ela começou a trajetória — Uptown, Downtown, Midtown, East e West.

Da clássica e transgressora apresentação de “Like a Virgin” no MTV Music Awards, de 1984, quando se vestiu como uma noiva sexy, o enorme bolo de casamento decora uma área.

Há passarelas e plataformas espalhadas pelo piso para que ela se aproxime do público, apareça e desapareça em cena, e a reprodução de boate de Manhattan que ela frequentava, Danceteria, na qual se apresentou pela primeira vez.

Madonna sempre brinca com looks entre o retrô e futurismo para não ser encaixada em rótulos (Crédito:Ethan Miller)

Estrutura

A estrutura será montada em frente ao Hotel Copacabana Palace, de onde serão instaladas oito duplas de torres de retorno de som e vídeo, com telões pela areia até a Avenida Princesa Isabel, que separa a praia do show do Leme, a 650 metros de distância.

Pela dimensão de público esperada, a Prefeitura carioca optou por reproduzir o esquema de segurança de sua festa mais tradicional na praia, o réveillon. Após a experiência ruim no ano passado de um show do DJ Alok em Copacabana, marcado por arrastões e pela prisão de mais de 500 pessoas, a polícia militar carioca instalou pontos de revista com reconhecimento facial, detectores de metais, torres de segurança e na virada de ano o número de detenções baixou para 12.

“O Rio possui reputação internacional em grandes eventos, sejam festivais de música como o Rock in Rio, sejam festas populares, como Carnaval e o Réveillon. Quando Madonna anuncia o show, a resposta do turista estrangeiro, que correu para comprar passagens, demonstra o nível de confiança na cidade. Já há agências estrangeiras organizando voos fretados”, afirmou o presidente da Embratur, Marcelo Freixo.

“A artista escolheu o Rio de Janeiro para esse grande final de turnê. Vamos mostrar para o mundo o impacto desse grande evento, aberto ao público, realizado na Praia de Copacabana, cenário que domina o imaginário global como exemplo de beleza natural”, diz Luiz Oscar Niemeyer, presidente da Bonus Track, responsável pela vinda da cantora.