FANTASMA EUA e Europa lançaram plano de US$ 600 bilhões para barrar a expansão comercial da China no mundo, sob comando de Xi Jinping (Crédito:LI XUEREN / XINHUA / Xinhua via AFP)

Pressão de todos os lados, de várias origens e com intensidade cada vez maior, incluindo mais investimentos em armas para a Ucrânia e também promessa de ajuda bilionária a países em desenvolvimento nos próximos cinco anos. A estratégia de acirrar o enfrentamento à Rússia e, ao mesmo tempo, responder às ambições comerciais expansionistas da China, está redesenhando o panorama geopolítico e econômico mundial. A OTAN, aliança militar criada em 1949 para se opor ao comunismo, e o G7, bloco das democracias mais industrializadas do planeta, acabam de promover reuniões na Europa para rechaçar ameaças de uma associação Rússia-China.

Do lado da OTAN, os EUA e os 29 países membros, se viram desafiados pela retomada dos bombardeios russos em Kiev, a capital ucraniana, às vésperas da reunião em Madri. De acordo com o plano anunciado, aumentará o número de “soldados em alerta máximo” em pontos estratégicos de fronteiras com a Rússia – passariam de 40 mil para 300 mil. Para o secretário-geral Jens Stoltenberg, é “a maior revisão da nossa defesa desde a Guerra Fria”. A Rússia foi apontada como “a ameaça mais significativa e direta à nossa segurança” e também se destacou a anuência da Turquia pela entrada no grupo da Suécia e, principalmente, da Finlândia. Os 1.400 quilômetros da fronteira finlandesa com a Rússia são fundamentais para os americanos colocarem armamentos. A defesa ainda será ampliada nas nações bálticas (Estônia, Letônia e Lituânia), no mar da Noruega e na “porta” Polônia. E, pela primeira vez, a China foi classificada pela OTAN de “desafio de defesa”.

Imediatamente antes da cúpula da OTAN em Madri, o G7 se reuniu na Alemanha e passou a avaliar formas de conter a expansão global da influência chinesa. Com muito dinheiro em caixa, a China se beneficia com as obras que promove nos países em desenvolvimento, ao Sul, revitalizando o comércio mundial, enquanto ainda ganha apoio político. A maior parte de seus investimentos é feita como CCS (Cooperação Sul-Sul, onde são 100% não-reembolsáveis) e esse é o movimento que mais preocupa os EUA, que investe nos CNS (Cooperação Norte-Sul, onde 25% são reembolsáveis). Daí o plano apresentado pelos líderes do G7, que pretende levantar US$ 600 bilhões para aplicação no desenvolvimento de nações com rendas baixa e média. Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB, diz que a tentativa é por uma agenda positiva: “O montante chama a atenção. Representa praticamente dois orçamentos do Banco Mundial”. O que se vê, portanto, no pano de fundo das reuniões na Europa, é a China como o principal alvo de ataque dos EUA, para forçá-la a pressionar a Rússia.

Para Flavia Loss, professora de Ciência Política da FESPSP, os investimentos maciços em armas por parte de EUA, Inglaterra e França levam a uma reflexão: “Até aonde e até quando seguirá a guerra? Por mais obsoletos que sejam os equipamentos russos e se saiba que Vladimir Putin é um líder autocrático, o país é uma potência nuclear. E, economicamente, países do mundo todo estão sendo afetados. Daí a resposta do G7, para desfazer a imagem de clube de ricos que se preocupa apenas com a Europa e deixa para trás pautas de todo o planeta, como a explosão do meio ambiente e a falta de segurança alimentar pela guerra”.

Convites para o sul

O G7 sabe que essa insatisfação na África, Ásia e América Latina facilita uma aproximação com a Rússia. Por isso convidou países que relutam em apoiar sanções a Putin – caso de Índia, África do Sul, Senegal, Indonésia e mesmo Argentina (o Brasil ficou fora da lista, o que também pode ser visto como um recado forte dos países industrializados). Se os EUA temem, com a guerra, fortalecer a aliança China-Rússia, e por isso aumentam a pressão armamentista, gerando mais tensão em fronteiras e impondo mais custos para a Rússia, contam com o desgaste interno de Putin para que seja forçado a negociar.

Se a guerra se estender até o fim do ano, o presidente russo, que já tem na China um novo mercado para seu gás, se fortalece ainda mais com a crise de combustível nos países europeus, alguns em fase de racionamento, como Alemanha, Suécia e Itália. “A Agência Internacional de Energia alertou a Europa para se preparar para um corte abrupto antes do fim do ano, quando chega o inverno, porque lá o gás também é fonte de aquecimento”, diz o físico e consultor de energia Ricardo Lima. “Está difícil para os europeus a importação de GNL (gás natural liquefeito) dos EUA, que estão com superávit, e do Oriente Médio, porque o transporte é marítimo e os portos estão paralisados. A guerra está alterando o mapa de oferta e consumo de gás e mudando o equilíbrio mundial”, afirma. “E uma das grandes preocupações do Ocidente é que se fortaleça a parceria comercial Rússia-China.”