Réu na Justiça Federal do Rio de Janeiro pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o empresário Eike Batista, que já ostentou o título de homem mais rico do Brasil, foi preso em janeiro num dos desdobramentos da operação Lava-Jato. Por decisão de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Eike voltou para casa no dia 30 de abril. Está solto.

Também investigada por corrupção e lavagem de dinheiro, Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, obteve no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o direito de deixar a cadeia. Se Adriana fosse uma brasileira comum, a suspeita de que ela pode destruir provas já bastaria para mandá-la de volta ao cárcere — como entende, inclusive, o Ministério Público Federal. Mas, como Eike, ela está solta.

Por que é tão difícil manter preso quem rouba os cofres públicos no Brasil? “Não há uma resposta fácil. Em primeiro lugar, o Código Penal dá um tratamento mais grave a crimes praticados com violência ou ameaça à pessoa, algo que raramente ocorre nos crimes financeiros”, diz a doutora em Direito Penal e professora da Universidade de São Paulo Helena Lobo da Costa. “Além disso, uma pessoa só pode cumprir a pena depois que o processo é ‘transitado em julgado’”, acrescenta, referindo-se às condenações em que não cabe recurso. Em alguns dos casos mostrados nesta reportagem, os réus ainda não foram condenados em segunda instância, o que, segundo o atual entendimento STF, permite que aguardem o julgamento em liberdade. “O advogado pode fazer diferença — ou não”, diz Helena.

Na prática, o sistema judicial coloca em vantagem aqueles que pode impetrar recursos, garantindo que o processo percorra um longo caminho por todas as instâncias e no tempo previsto na lei. Como o sistema penal é falho na outra ponta, para quem conta apenas com a Defensoria Pública ou advogados despreparados, a sensação é que a Justiça trata os brasileiros de forma desigual.

A aparente impunidade dos ricos se torna mais evidente com a delação premiada, procedimento usado nas investigações da Lava-Jato para obter provas. O doleiro Alberto Youssef foi um dos premiados por delatar o esquema de pagamento de propinas em contratos da Petrobras. Condenado a 121 anos e 11 meses de prisão, ficou detido por dois anos e oito meses até passar para o regime domiciliar, monitorado por uma tornozeleira eletrônica.

Prêmios desproporcionais

O artigo 4º da Lei 12.850 prevê que o juiz reduza a pena de reclusão ou a substitua desde que a delação resulte em avanços no crime investigado. O artigo também lista o que é considerado válido para a obtenção do benefício, como a identificação dos demais envolvidos e a recuperação do produto da ação criminosa. É claro que a Justiça deve oferecer alguma vantagem para o delator que fornece evidências, mas parece desproporcional que o prêmio a quem já se beneficiou de um esquema ilícito seja a redução de quase 120 anos sem seu período de reclusão. “A pena de privação da liberdade tem a função de ressocializar o condenado. Os prêmios desproporcionais dados a quem faz acordos de delação ignoram esse princípio e desfavorecem a noção de justiça”, diz o advogado Walter Bittar, autor do livro “Delação Premiada” (Lumen Juris). “A função da pena é inibir o comportamento que a sociedade não tolera, e por isso deve haver uma correlação entre o delito cometido e o prêmio dado a quem apenas coopera com as investigações, sem ter delatado nada de relevante”, afirma o especialista. Para ele, nada justifica que 73 executivos da construtora Odebrecht investigados na Lava-Jato recebam benefícios por fornecer provas à força-tarefa.
Outros que colaboraram com as investigações e já comemoram a vida em liberdade: Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa; José Carlos Bumlai, condenado a 9 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de gestão fraudulenta e corrupção passiva; e Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras, condenado a 18 anos e quatro meses. Todos soltos.

O crime parece ter mesmo compensado para o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Condenado a 20 anos, o primeiro delator da Lava-Jato cumpriu parte da pena em regime semi-aberto por apenas um ano. Desde o final de 2016, ele sequer precisa usar tornozeleira ou retornar para casa no fim do dia. “Na prática, os prêmios concedidos ao delator podem chegar até a devolução de valores obtidos de forma ilícita. É como se o Estado estivesse lavando o dinheiro para os criminosos”, diz Bittar. Dinheiro público, infelizmente.