Sempre ao apagar das luzes, na surdina, aparece uma medida de ataque ao meio ambiente promovida pelo ministro Ricardo Salles. Lá da moita, escondido, ele articula as suas orientações destrutivas. Salles é o mesmo que disse que ia aproveitar a pandemia para poder “passar a boiada”, na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Quase um ano depois o País assiste a garimpos descontrolados, incentivo à grilagem, redução da participação da sociedade civil nas discussões, nomeação de pessoas que atuam contra a causa ambiental para altos cargos no ministério, isolamento internacional e, principalmente, a queda do orçamento do Ministério, que será o menor em 21 anos. Na moita, que parece ser a única forma de vegetação que ele admite, Salles prepara o campo para repetir os erros que causaram uma tragédia ambiental nos principais biomas brasileiros no ano passado.

ESTRATÉGIA DO MAL A destruição das florestas abre espaço para a passagem da boiada (Crédito:GABRIELA BILO)

O ministro e o presidente Jair Bolsonaro nunca fizeram questão de esconder o que pensam sobre a preservação da natureza, então não é surpresa que o orçamento para 2021 seja o menor do século. Desde 2009, o valor mínimo destinado à pasta do meio ambiente é de R$ 2,9 bilhões. A proposta atual é de apenas R$ 1,7 bilhão, conforme estudo do Observatório do Clima. Na questão de fiscalização e combate aos incêndios o comprometimento é evidente, a redução é de 27,4%, apesar de todos os desastres recentes. O estudo ainda aponta que houve uma queda de 61,5% do investimento em unidades de conservação, em relação a 2018. Integrante da ala ideológica do governo, Salles é um porta-voz contumaz dos interesses de ruralistas e mineradores. Na estratégia do governo está a redução das multas aplicadas pelo Ibama em 35%, em relação ao último ano do governo anterior, combinada com o aumento progressivo do desmatamento de 34%, em 2019, e de 9,5%, em 2020. A porta-voz de Políticas Pública do Greenpeace, Thais Bannwart, denuncia que “é o próprio governo quem produz a crise ambiental que vivenciamos”. A ambientalista ainda afirma que o governo nem mesmo utiliza por completo os recursos existentes, mesmo após os traumas de 2019 e 2020. Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) disse que se desenha uma situação muito ruim. “Precisamos ter a estrutura mínima de funcionamento, sob pena de assistirmos todas as tragédias do passado se repetirem”, avaliou.

Mais do que uma contradição é um atentado ao Ibama a escolha da sua nova superintendente no Acre. A nomeada foi a advogada Helen de Freitas Cavalcante. Ela conhece muito bem a área e oferece nas redes sociais serviços para quem quer escapar das multas ambientais. Tudo conspira para proteger os infratores. Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, afirma que o “desmatamento em 2020 foi 83% maior do que a média dos 10 anos anteriores ao governo Bolsonaro”. O debate sobre a regularização fundiária, por meio do PL 2633/20, justificadamente apelidada de PL da Grilagem, é um instrumento poderoso para o garimpo, desmatamento e uso indevido de terra indígena. Formaliza de maneira perigosa a propriedade de terras apossadas de forma ilegal. O PL tem apoio da bancada ruralista e o próprio presidente Bolsonaro já disse existir excesso de preservação nas reservas indígenas. É uma calamitosa proposta de Estado levada adiante por Salles.

Internacionalmente, o País de natureza invejável e signatário de importantes acordos ambientais viu sua imagem destroçada. Nas reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU), o olhar aos políticos brasileiros remete a todo tipo de atrocidade. Alheio à realidade, Salles representa o Brasil, junto com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (que contestou a vitória do presidente americano Joe Biden), e passa o pires pedindo aporte financeiro para proteção ambiental. A promessa é de que o dinheiro estrangeiro seria utilizado para cumprir metas já acordadas. Mas como confiar na promessa de Salles? Felizmente há alguma reação. Com o Congresso estático, o Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu, quarta-feira, 10, o julgamento sobre o funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), após o pedido de vistas do ministro Kassio Marques, recém-indicado por Bolsonaro. Rosa Weber, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio já haviam votado unanimemente pela inconstitucionalidade do decreto que reduzia de 93 para 23 os assentos com direito a voto e diminuia a representatividade de ambientalistas de 11 para 4 entidades. Era mais uma loucura que Salles tentava emplacar na moita.