CAOS Acima, sindicalistas protestam no Aeroporto de Marselha
CAOS Acima, sindicalistas protestam no Aeroporto de Marselha (Crédito: AFP PHOTO / BORIS HORVAT)

A França tem uma das leis trabalhistas mais generosas do mundo. Os empregados não só têm grande respaldo jurídico para proteger suas vagas como trabalham, em média, 35 horas semanais. Entre um dia útil e outro, os trabalhadores devem ter um intervalo para descanso de 11 horas. O direito a férias inclui cinco semanas que, em alguns setores, pode receber a adição de mais 11 dias, quando o contrato é por dias e não horas trabalhadas. Talvez seja por causa disso que os franceses estejam entre os trabalhadores mais produtivos do mundo. O problema é que a mesma legislação que dificulta as demissões também atrapalha as contratações e a entrada de novos profissionais no mercado de trabalho. Conclusão: o nível de desemprego no país, de 10,2% no geral e de 24% entre os jovens, é o dobro de nações como a Alemanha e o Reino Unido. Ciente disso, o governo do presidente François Hollande propôs uma reforma trabalhista que flexibilizaria alguns desses direitos, dando às empresas a prerrogativa de negociar condições de trabalho diretamente com os funcionários, sem precisar seguir as convenções coletivas, ou demitir usando o desempenho econômico da companhia como justificativa. O resultado tem sido explosivo.

IMPOPULAR Apesar dos protestos, o presidente François Hollande afirmou que não vai recuar
IMPOPULAR Apesar dos protestos, o presidente François Hollande afirmou que não vai recuar (Crédito:AP Photo/Francois Mori)

Nas últimas duas semanas, protestos de trabalhadores, estudantes e sindicalistas estouraram em diversas cidades da França. Bloqueios em estradas e refinarias de petróleo prejudicaram o abastecimento em postos de combustíveis, voos e viagens de trem foram cancelados e, ao menos numa região, Loire-Atlantique, houve um apagão devido à greve de funcionários de uma fornecedora de energia elétrica. As manifestações ganharam mais força depois que as redes sociais viralizaram o vídeo de uma mulher que participava de um protesto em Toulouse, a 588 quilômetros de Paris, e que foi agredida por um policial mesmo depois de ter caído. Contra o governo, há ainda o fato de a reforma ter passado por cima do Parlamento – Hollande usou o poder de decreto para evitar uma derrota entre membros de seu próprio partido, o Socialista, que se opõe às medidas consideradas muito ortodoxas.

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O caos social que eclodiu às vésperas de a França sediar o Campeonato Europeu de Futebol de 2016, programado para começar na sexta-feira 10, colocou à prova o poder de mobilização dos sindicatos. Apesar de fortes no país, as entidades têm a filiação de menos de 10% dos trabalhadores do setor privado e representam, portanto, uma minoria, argumentam os analistas contrários aos protestos. Para Bruno Cautrès, do Centro de Pesquisas Políticas do instituto Sciences Po, de Paris, seu poder de barganha não pode ser minimizado. “As pesquisas indicam que metade da população preferiria que o governo retirasse o projeto”, disse à ISTOÉ. “Ao mesmo tempo, muitos franceses sabem que o país precisa modernizar o mercado de trabalho.” Mas não há consenso de como seria feita essa modernização. Para o primeiro-ministro Manuel Valls, um liberal que se tornou tão impopular quanto o presidente Hollande nos últimos meses, comprometimento é algo difícil de se conseguir na sociedade francesa. “Esse é um povo que gosta de revolução, radicalismo, confronto”, afirmou. “Mas é preciso criar as condições para um compromisso. É difícil, mas vamos tentar.”

Apesar da pressão popular, as autoridades reafirmaram diversas vezes que não irão recuar. Se cedesse aos sindicatos, Hollande, já visto como um líder fraco, teria sua aprovação ainda mais prejudicada, segundo Cautrès, da Sciences Po. “Esse seria um sinal de que o presidente não sabe mais para que lado está indo”, diz. “É por isso que ele não tem outra opção a não ser manter-se firme nesse projeto.” O grande objetivo da reforma é aumentar a competitividade da economia francesa, que tem crescido lentamente, e dar impulso a uma candidatura de Hollande à reeleição no ano que vem. Mas com o setor de turismo tentando se recuperar depois dos atentados terroristas a Paris, em novembro, e Bruxelas, em março, e a perspectiva de um dia nacional de paralisações marcado para 14 de junho, quando o Senado debaterá a proposta, as perspectivas são ruins para as ambições políticas de Hollande.