Revolta em Israel após admissão de falhas no ataque do Hamas

Depois de militares admitirem ter havido uma "falha completa" no período que antecedeu os ataques do Hamas do 7 de Outubro, pedidos por uma investigação política mais ampla se fazem ouvir.O relatório das Forças de Defesa de Israel (IDF) sobre os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023 no sul de Israel foi de leitura difícil para a maioria dos israelenses. As conclusões do documento não eram totalmente novas, mas acrescentaram mais uma camada após algumas semanas emocionantes, em que mais de 30 reféns foram devolvidos vivos, mas outros oito voltaram para casa em caixões.

E, embora a primeira fase do acordo de cessar-fogo e libertação de reféns tenha chegado ao fim, a próxima fase permanece uma incógnita: 59 soldados e civis sequestrados permanecem em Gaza, dos quais acredita-se que 24 estejam vivos.

Após a publicação do relatório, o jornal israelense Yedioth Ahronoth publicou a manchete "A cegueira, o fracasso, as perguntas". A manchete do Israel Hayom, um diário gratuito de direita, foi "Um desastre gestado por anos", referindo-se a uma das principais conclusões do relatório: que a comunidade de inteligência de Israel subestimou enormemente o Hamas por muitos anos.

Em 2007, depois de vencer as eleições, o grupo militante e movimento nacional palestino assumiram o controle de Gaza da Autoridade Palestina, governada pelo Fatah. Em resposta, Israel reforçou ainda mais sua vigilância das fronteiras aéreas, terrestres e marítimas, controlando o movimento de pessoas e mercadorias para dentro e fora do território. Tanto Israel quanto o Hamas travaram várias guerras nos últimos anos.

Fracasso das IDF "deixou marcas profundas"

Em 7 de outubro de 2023, militantes liderados pelo Hamas lançaram um ataque em grande escala no sul de Israel, matando 1.200 e tomando como reféns outros 251, de acordo com dados israelenses. O ataque desencadeou uma guerra de 15 meses, na qual grande parte do pequeno território foi arrasado, e mais de 48 mil palestinos foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.

Para alguns, o último relatório abrangente sobre o trabalho dos diferentes ramos militares chega tarde demais; para outros, há poucas novidades a relatar. Em muitos israelenses, o fracasso das IDF em proteger seus cidadãos deixou marcas profundas. Nos últimos meses os militares forneceram aos residentes de vários kibutzim próximos a Gaza relatórios minuto a minuto dos acontecimentos em suas comunidades.

"A importância do relatório é, antes de tudo, para os sobreviventes, as famílias dos soldados e civis que foram mortos, as famílias dos que foram sequestrados e as comunidades", diz Ofer Shelah, pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS) e ex-membro do Knesset, o parlamento de Israel.

"Acho que isso foi importante para restabelecer a confiança entre essas comunidades, o público israelense em geral e o Exército; para que o Exército encare os sobreviventes de frente, conte-lhes o que aconteceu e seja franco a respeito", resume Shelah.

No entanto ainda restam muitas dúvidas sobre o decorrer dos acontecimentos dentro das Forças Armadas e suas várias ramificações, e em relação aos escalões políticos. Tamir Hayman, diretor do INSS e ex-chefe da Diretoria de Inteligência Militar, também ecoa essa afirmação.

"Em todo inquérito militar, três perguntas precisam ser respondidas: o que aconteceu, por que e como melhorar", disse Hayman durante um programa na emissora de TV israelense Canal 12. "Esses inquéritos nos dão muitas informações sobre o que aconteceu, mas ainda não encontrei respostas para por que aconteceu."

Conceitos errôneos sobre o Hamas

A investigação concluiu que a avaliação do Hamas durante muitos anos não foi contestada e que não houve discussão sobre a questão "e se estivermos errados?"

De acordo com Amos Harel, escrevendo no jornal Ha'aretz, "a comunidade de inteligência, com a IDF e o serviço de segurança Shin Bet na vanguarda, não acreditava que o Hamas fosse capaz de montar um ataque coordenado de milhares de terroristas em mais de 100 pontos de passagem, que superaria com sucesso a Divisão de Gaza e assumiria o controle de grande parte do território pelo qual a divisão era responsável".

A investigação também criticou o fato de líderes políticos e serviços de informação optarem por uma política de "gerenciamento de conflito" em relação ao Hamas, e terem feito uma avaliação incorreta de suas capacidades e intenções.

"Gaza foi apresentada como uma 'ameaça secundária' em comparação com o Hezbollah e o Irã", escreveu Yossi Yeshuoshua, correspondente de assuntos militares do Yedioth Ahronoth. "Toda a liderança israelense – do governo aos setores de inteligência – tornou-se viciada em inteligência produzida por tecnologia avançada e sofisticada, criando complacência e arrogância entre quem deveria estar constantemente olhando por cima do ombro. Nós gritamos 'ciber' e adormecemos ao volante, enquanto o Hamas preparava uma invasão de estilo medieval."

Ataque longamente preparado

Com base em documentos encontrados em Gaza e em interrogatórios de militantes de alta patente do Hamas capturados durante a guerra, o relatório constatou que o grupo começou a discutir um ataque em grande escala após a guerra de 2014 em Gaza.

O plano, que mais tarde ficou conhecido como "Muro de Jericó", foi desenvolvido principalmente pelo líder morto do Hamas Yahya Sinvar, considerado um dos principais planejadores do 7 de Outubro, desde que se tornou chefe do Hamas em Gaza em 2017. Ele incluiu um ataque surpresa à Divisão de Gaza das IDF estacionada ao redor da Faixa de Gaza e a tomada de reféns. De acordo com a investigação, o Hamas considerou realizar o plano de ataque já em maio de 2021, quando Israel e o Hamas travaram uma guerra de 11 dias em Gaza. Na época, a inteligência militar israelense não tinha conhecimento do plano, afirma o relatório.

O documento mostra que a guerra de maio de 2021, também conhecida em Israel como "Operação Guardião dos Muros", foi um ponto de virada. As IDF concluíram publicamente na época que o Hamas havia sofrido um duro golpe, com a destruição de grande parte de seus túneis – apelidados de "metrô" pelo Exército –, e que a barreira subterrânea construída por Israel havia havia reduzido a infiltração a um mínimo. Os líderes israelenses pareciam acreditar que o Hamas queria se concentrar no desenvolvimento econômico e manter a tranquilidade, acima de tudo.

O relatório rebate que, na verdade, o Hamas se sentiu encorajado pelo resultado da guerra de 2021, pois conseguiu obter apoio na região sem que as IDF lançassem uma grande operação terrestre.

O relatório também renovou os pedidos de uma comissão de inquérito para investigar o papel da liderança política de Israel. "O público israelense não consegue garantir que os políticos pagarão um preço, e é por isso que quer uma comissão de inquérito", explica Ofer Shelah.

Numa pesquisa de opinião publicada em 28 de fevereiro, perguntou-se se a investigação militar era suficiente ou se deveria haver uma comissão de inquérito estatal ou política. Apenas 6% consideraram o inquérito militar suficiente, enquanto 58% gostariam de ver uma comissão de inquérito estatal.

Enquanto o chefe do Estado-Maior das IDF, Herzi Halevi, tenha se demitido devido às falhas do 7 de Outubro e deixe o cargo nesta quarta-feira (05/03), o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não aceita a responsabilidade e tem adiado uma investigação ampla até depois da guerra.