O presidente Ulisses chamou uma reunião de emergência do conselho, dada a gravidade dos fatos.

Com céu claro, sem nuvens, pelas janelas da sala de reunião a Esplanada dos Ministérios lá embaixo se descortinava numa visão inspiradora.

Um a um, os membros foram tomando seus lugares à direita e à esquerda do decano.

– Presidente, muito bom dia. Boa noite dir-lhe-ia se assim fosse.

Ulisses já não tinha mais paciência para as mesóclises do amigo.

– Senta aí e não me enche, Jânio.

O presidente andava cansado.

Não via a hora de se aposentar, mas sempre que as coisas caminhavam para que ele pudesse pendurar as chuteiras, um escândalo qualquer acontecia e o conselho, por aclamação, o obrigada a continuar à frente.

– Talvez devêssemos largar mão de vez e deixar que o destino siga seu rumo…

– Ulisses, se com o conselho está assim, imagine sem nossa tutela. Aí sim a coisa descamba. Temos de ter esperança, avançar cinco, dez, quinze anos no próximo mandato!

Ulisses gostava de Juscelino, apesar de seu idealismo incorrigível.

Figueiredo irrompeu histriônico, montado em seu cavalo, como sempre fazia.

Vestia uma camiseta verde oliva com a palavra “Mito” em letras garrafais.

– Que palhaçada é essa, General?

– Palhaçada é o que o senhor deixou acontecer lá embaixo, isso sim.

– O senhor está cansado de saber que não é permitida propaganda eleitoral nas reuniões. — ralhou Ulisses pedindo apoio do secretário-geral.

Tancredo mal reagiu. Amuado, apenas entortou os lábios e fez um sinal de reprovação com a cabeça, muito mais para apoiar a fala do presidente do que para intimidar o General.

Tancredo andava muito deprimido, para a preocupação de todos.

– Tu sabes que ele nunca foi lá muito animado, mas já notastes como ele anda desde a história da mala do sobrinho?
– Leonel, sério, tenho mais coisas para pensar do que o estado do espírito do Tancredo. — Ulisses interrompeu o caudilho e deu três marteladas na mesa.

– Senhores, declaro aberta a reunião de emergência de nosso conselho. Acho que todos sabem o que está acontecendo. Desde a prisão do prisão de Lula…

– Golpistas! Não passarão!

– Prestes…por favor. — Ulisses silênciou o companheiro com um gesto e continuou — … o cenário dessa próxima eleição se deteriorou. A esquerda (fez um gesto com as mãos para um lado da mesa) está desunida, sem um candidato de consenso…já a direita (repete o gesto) nos oferece um sério risco fascista.

– Ora por favor, vocês não sabem o que é fascismo — Medici tentou desqualificar a afirmação.

– … Bolsonaro continua liderando as pesquisas três meses antes da eleição. Lula costurou, de dentro da cadeia, uma teia de acordos para desmontar a candidatura Ciro. Com isso, Alckmin [que convenhamos, né?], saiu ganhando.

Todos os conselheiros se entreolharam com gravidade.

– Tá feia a coisa — alguém deixou escapar.

– Peço, então, que aqueles que tiverem sugestões para nos tirar desse embroglio, por favor, se manifestem.

Um silêncio desanimador tomou conta da sala, esvaziando ainda mais as esperanças.

Nenhum dos notáveis jamais havia passado por uma situação de tamanha mediocridade política.

Aos poucos foram crescendo as conversas paralelas, sugestões estapafúrdias e discussões inócuas que Ulisses sabia bem que não chegariam a lugar nenhum.

Nessa hora, um dos conselheiros deu um soco na mesa e gritou:

– Senhores! É chegado o momento! Situações extremas pedem medidas extremas!!

O grito assustou a todos.

Mas Ulisses, que sabia onde o conselheiro queria chegar, interrompeu:

– Cala a boca, Getulio!