Os ministros das Relações Exteriores do G20 se reúnem nesta quarta-feira (21) e na quinta-feira (22) no Rio de Janeiro, em um contexto mundial marcado pela guerra da Ucrânia, que opõe o Ocidente e a Rússia, e em plena crise entre Brasil e Israel pela guerra em Gaza.

Os chefes da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, e da Rússia, Serguei Lavrov, participarão no primeiro encontro de alto escalão do ano do G20, presidido desde dezembro pelo Brasil. O chanceler da China, Wang Yi, não comparece à reunião.

Embora o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva descreva o G20 como o “fórum político e econômico com maior capacidade de influenciar positivamente a agenda internacional”, as divisões entre os membros são cada vez mais intensas.

O próprio Lula criou uma nova crise diplomática no domingo, quando acusou Israel de cometer um “genocídio” na Faixa de Gaza e comparou a campanha militar no território palestino ao Holocausto.

Os comentários provocaram indignação em Israel, que declarou o chefe Estado brasileiro “persona non grata”. Em resposta, o Brasil convocou o embaixador israelense e chamou o representante diplomático do país em Tel Aviv para consultas.

A crise ocorreu antes de uma reunião nesta quarta-feira em Brasília entre Lula e Blinken, anterior ao início do encontro do G20. A reunião terminou sem comentários, mas Washington afirmou na terça-feira que “não concorda” com as declarações do presidente brasileiro.

“Se o presidente Lula imaginava que, dentro do contexto do G20, ele iria propor resoluções de paz, não só para Israel, mas para a questão da Ucrânia, eu acho que isso vai para debaixo dos panos”, declarou à AFP Igor Lucena, economista e doutor em Relações internacionais, membro da Chatham House – Royal Institute of International Affairs.

Mais de quatro meses após o início da ofensiva de Israel na Faixa de Gaza, em resposta ao ataque do movimento islamista Hamas que deixou cerca de 1.160 mortos, segundo um balanço da AFP baseado em números divulgados pelas autoridades israelenses, nada indica que o conflito está perto do fim.

Na terça-feira, os Estados Unidos vetaram uma nova resolução do Conselho de Segurança da ONU que pedia um cessar-fogo imediato.

A ofensiva israelense na Faixa de Gaza deixou pelo menos 29.313 mortos, segundo o Ministério da Saúde do território, governado pelo Hamas.

– Novas tensões pelo caso Navalny –

Também não há otimismo no horizonte para a guerra na Ucrânia, que vai completar dois anos no dia 24 de fevereiro.

Apesar da tentativa do Ocidente de condenar a invasão determinada pelo presidente russo, Vladimir Putin, a reunião de cúpula do G20, em setembro em Nova Délhi, terminou com um comunicado vago que denunciava o uso da força, mas não citava a Rússia, que mantém relações cordiais com membros do grupo, como Brasil e Índia.

As tensões com Moscou aumentaram após a morte na prisão do opositor Alexei Navalny, anunciada na sexta-feira.

As potências ocidentais responsabilizaram Putin pela morte. O governo dos Estados Unidos anunciou que vai adotar um “grande pacote de sanções” contra a Rússia.

“Ninguém deve duvidar da natureza opressiva do sistema russo”, afirmou o secretário britânico das Relações Exteriores, David Cameron, em um comunicado.

Cameron aproveitará a presença no G20 para denunciar a “agressão russa” na Ucrânia “diretamente” a Lavrov.

No atual cenário, Blinken e Lavrov não devem ter uma reunião bilateral. O último encontro dos dois aconteceu em uma reunião do G20 na Índia, em março de 2023.

Lula, por sua vez, afirmou que não se deve tirar conclusões precipitadas sobre a morte de Navalny e que é necessário aguardar uma “investigação”.

– “Apagando incêndios” –

O G20 também deve abordar uma reforma das entidades de governança global, como a ONU e o FMI, um tema que interessa particularmente o Brasil, que pede um peso maior para os países do Sul global.

“O nível de ocorrência de guerras e conflitos é sem precedentes nas últimas três décadas, ou seja, retornamos praticamente ao nível de conflitos do período da Guerra Fria. Então isso mostra que há um déficit de governança para enfrentar os desafios atuais”, afirmou o embaixador Mauricio Carvalho Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores e “Sherpa” do Brasil para o G20.

“É muito importante essa questão da reforma da governança global porque uma coisa é trabalhar pela paz em cada um dos conflitos, outra coisa é ter uma governança global que evite a ocorrência dos conflitos. Nós estamos apagando incêndios, na verdade, com 183 conflitos no mundo, uma situação tão catastrófica no ponto de vista de efeitos humanitários que obviamente a ação tem que ser estrutural”, acrescentou.

“Agora é preciso justamente adaptar o sistema internacional para evitar a ocorrência de novos conflitos”, concluiu o diplomata.

O Brasil também considera o combate à fome e a ação internacional contra as mudanças climáticas prioridades de sua presidência do G20.

Mas o analista Lucena considera que será “difícil” obter “grandes acordos” este ano dentro do G20, em parte devido às eleições em países membros, como os Estados Unidos.

Uma fonte do governo brasileiro explicou que, após as últimas divergências, a presidência decidiu que não será mais necessário obter um comunicado conjunto em cada reunião, com exceção do encontro de cúpula dos líderes do G20, que acontecerá no Rio de Janeiro em novembro.

Isto não significa menos reuniões: o Brasil organizará um segundo encontro de chanceleres, à margem da Assembleia Geral da ONU em setembro em Nova York, com a intenção de envolver todos os países membros da organização.

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