De celular para celular, de irmão para irmão, Luis Miranda, deputado federal, e Luis Ricardo Miranda, servidor na área da Saúde, trocaram a seguinte mensagem no dia 20 de março, antes de se reunirem com Jair Bolsonaro: “hoje a gente descobre se o presidente é cúmplice ou honesto”. Houve o encontro, e, nele, os Miranda relataram a maracutaia na compra da Covaxin e a pressão para que fosse autorizada a aquisição sem aval da Anvisa. Na última sexta-feira 25, o Brasil inteiro tomou conhecimento, por intermédio da CPI, de qual foi a conclusão dos irmãos, três meses antes, na dúvida entre a “cumplicidade” ou a “honestidade” de Bolsonaro. Descobriu-se que ele é cúmplice. Terrivelmente cúmplice!

QUARTA-FEIRA 30 Manifestação diante do Congresso na entrega do “superpedido”: união geral pela ética (Crédito:Divulgação)

Por que? É simples. Segundo o deputado, Bolsonaro lhe disse que o “rolo” deveria ser coisa do “Ricardo Barros”. Uma vez que Barros é líder do governo, acreditar que ele faça “rolo” sem o presidente saber é conto infantil. Mais: Bolsonaro soube da bandalheira e não agiu de ofício – teria, por força de lei, de ordenar imediata averiguação. Não importa se a denúncia procede ou não, a lei o obriga a investigar. Junte-se as duas coisas. Resultado: ele cometeu crime de improbidade administrativa, que implica crime de responsabilidade e processo de impeachment, porque é óbvio que sabia do “rolo” de Barros; e, ao não mandar investigar as denúncias, ficou tipificado crime de prevaricação — quando funcionário público retarda ou não procede averiguação de fato ilícito que lhe chegue aos ouvidos.

Bolsonaro coleciona gorda “capivara”, mas nunca suas infrações foram tão inequívocas. O capitão cai com um sopro. Esses dois pontos — crime de responsabilidade e crime de prevaricação — constam da notícia-crime protocolizada, na segunda-feira 28, junto ao STF, pelos senadores Randolfe Rodrigues, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru. A ministra Rosa Weber a encaminhou à PGR, que terá de dizer se denuncia ou não o presidente. É de se imaginar que o procurador-geral, Augusto Aras, acompanhe os fatos e intua que manter Bolsonaro no poder é debochar da Nação. Os crimes são tão óbvios que partidos, entidades, associações, movimentos sociais e grupos políticos de todas as nuances reuniram cento e vinte e quatro pedidos de impeachment que mofam na Câmara e os resumiram em um só, batizado de “superpedido” e entregue à Casa na quarta-feira 30. E a OAB Federal fará reunião para tratar do impeachment, a partir de pareceres de eminentes juristas. De duas, uma: ou o capitão é retirado do Planato ou rasgue-se a Constituição e rasgue-se o código penal. Até porque Bolsonaro fez-se, por palavras e atitudes, réu confesso.

Disse ele, de início, que não se lembrava do encontro com Luis Miranda. Depois lembrou, mas nega que tenha citado Ricardo Barros. Afirmou, para a turminha de fãs do cercadinho, que pode “haver uma roubalheirazinha aqui ou ali”. Profecia! Veio, na sequência, a denúncia de que um diretor do Ministério da Saúde pediu propina por doses de vacina a uma empresa que comercializa imunizantes. O raciocínio é “elementar, meu caro Watson”, parafraseando Sherlock Holmes: se o presidente admite que houve o encontro, está admitindo, em corolário, que soube de toda a trapaça da vacina; e está admitindo, também, que prevaricou — ou seja, confessa que cometeu crime. E ainda é confissão de culpa o fato de a compra da Covaxin ter sido suspensa logo após senadores pisarem no STF. Repetindo, é isso: Bolsonaro é mesmo réu confesso.

STF ROSA WEBER: à espera que Aras responda sobre a notícia-crime que trata da prevaricação de Bolsonaro (Crédito:Eraldo Peres)

O capitão acrescentou que não pode saber de tudo o que ocorre nos ministérios. Seguiu se dando mal pela boca: ele não tem obrigação de saber sobre o desvio de uma aspirina, mas tem o dever de acompanhar a compra de vacinas. Além disso, a Anvisa e o TCU vinham alertando sobre ilicitudes. Bolsonaro está diante do petardo do “superpedido” de impeachment”, com quarenta e seis signatários que lhe atribuem vinte e três crimes de responsabilidade. Como o medo desconhece o ridículo, o capitão postara um vídeo afirmando-se inocente — a noite é boa para os culpados, o dia é ruim, porque o sol é o melhor dos detergentes, como bem disse o já falecido juiz da Suprema Corte dos EUA Louis Brandeis.

Para que o Messias seja punido pelos dois crimes é preciso que Aras deixe de lado o compadrio com Bolsonaro. E é preciso, também, que o presidente da Câmara, Arthur Lira, não engavete o “superpedido” nem deixe a Casa obstar o STF no processo por prevaricação. Lira, antes de ler o “superpedido”, já disse que “não tem novidade” e que “falta a materialidade” dos crimes. Lira é chefão do Centrão, mas Centrão é Centrão, e, se o calo de Bolsonaro apertar mais, seus parlamentares procurarão outro Messias. Um detalhe: quem aconselhou Miranda a abrir a boca na CPI foi o próprio Lira, e fez isso para que o presidente da República não se esqueça do poder de fogo do presidente da Câmara. Ambos acabarão em breve na mesma sarjeta da história. “Elementar, meu caro Watson”.