“A energia nuclear não é um mal em si. Mas, podemos dizer, que ela tem seu lado escuro da força” Ricardo Lima, consultor da área de energia (Crédito:Divulgação)

O reconhecimento de usinas nucleares como produtoras de energia limpa e sustentável pela Comissão Europeia, na semana passada, abre dois caminhos. Um deles, em direção ao forte renascimento dessa fonte em países que se mostram dispostos a reduzir emissões de gás carbônico para brecar catástrofes, conforme o Pacto de Glasgow, de novembro passado. O outro, para bilhões em investimentos saindo de governos ou de fundos privados rumo a grandes conglomerados ligados a essa indústria e que já se mostram prontos para oferecer novos produtos, como os microrreatores.

Quanto à “tolerância” na classificação do gás natural como sustentável, que, na verdade, é fóssil e não-renovável, se dará até 2030, de acordo com a proposta aprovada na Comissão Europeia. Até lá, esse combustível terá o “selo verde” para servir como ponte na transição para a totalidade de energias verdadeiramente limpas e sustentáveis, como solar e eólica – que não são abundantes na Europa.

Para o físico Ricardo Lima, consultor da área de energia, desastres como de Chernobil (1986) e Fukushima (2011) não foram esquecidos e, de fato, mesmo com todo o avanço da tecnologia de segurança, “os riscos de acidentes são controláveis, mas até certo ponto”. Com 40 anos de experiência, ele lembra que a questão do que fazer com os rejeitos nucleares, “que têm mais vida que algumas civilizações”, vem desde a década de 1950 e nunca foi resolvida. “Seja colocando os resíduos em embalagens de concreto que seguem para o fundo do mar e podem se romper com o tempo, seja a partir de projetos para mandar o lixo ao espaço, literalmente, o perigo é constante”.

Risco de contaminação

Lima explica que a operação de usinas nucleares tem dois problemas: o risco de contaminação e a necessidade de encontrar um local seguro para os rejeitos. Além disso, o custo para erguê-las é elevado e a construção quase nunca é concluída no tempo previsto, em torno de dez anos. Mas a Europa não conta com fontes alternativas suficientes de energia renovável, tendo pouco acesso ao sol e também a ventos onshore (dentro dos países). “Há apenas alguns desenvolvimentos, como no Mar do Norte ou na costa de Portugal”, explica Lima, observando que o gás natural pode ser menos prejudicial que o óleo combustível e o carvão, mas também colabora para o efeito estufa. “Por isso, sem muitas opções verdadeiramente limpas e sustentáveis, a Europa deu uma maquiada no assunto”, observa o físico.

A aprovação da energia nuclear e do gás como fontes sustentáveis pelo órgão executivo da União Europeia teve lobby intenso da França – que em 2021, segundo a European Nuclear Society, somava 56 usinas em seu território (responsáveis por 70% do abastecimento energético do país), com mais uma em construção e projetos para outras seis. O argumento a favor da energia nuclear remete ao cumprimento da meta assinada por mais de 200 países em Glasgow, na COP-26 de novembro, para baixar as emissões de carbono até 2050. Só assim se evitará o aumento da temperatura da Terra em 1,5° em relação à era pré-industrial, para impedir ondas de calor mortais, tempestades intensas ou escassez de água, colapsando ecossistemas.

A França conseguiu alianças inéditas com países do Leste Europeu, como República Tcheca e Polônia. E o apoio de indústrias como a Rolls-Royce, que fabrica motores para aviões a jato e usinas para submarinos da Marinha Real. A gigante britânica quer produzir micro-usinas nucleares pré-moldadas, para vender ao custo de 2,3 bilhões de libras esterlinas, ou R$ 16,5 bilhões, contra os 22,5 bilhões (R$ 160 bilhões) calculados para usinas convencionais. Para o físico Lima, já faz alguns anos que se fala dessas usinas compactas, de 50 megawatts, que poderiam ser feitas e implementadas mais rapidamente, além de melhor espalhadas, “mas o tamanho menor não inibe riscos”. Para ele, “a energia nuclear não é um mal em si, tanto que é usada em diversas situações como tratamento de câncer, por exemplo, mas tem seu lado escuro da força, podemos dizer”.

Alemanha na contramão

Thomas Peter

Os alemães seguem com o compromisso de eliminar todas as usinas nucleares no país até o final desse ano, como fechou a de Greifswald, em 2014. Das seis restantes, responsáveis por 12% da eletricidade produzida em 2021, três foram fechadas no início de janeiro. Energias renováveis já participavam com 41% do total, ficando o carvão com 28% e o gás, com 15%.

O país quer expandir a infraestrutura solar e eólica para que 80% de sua produção de energia saia dessas fontes renováveis até 2030, alcançando a neutralidade de carbono em 2045, anos antes da meta estipulada em Glasgow. Áustria, Dinamarca, Luxemburgo e Portugal também se colocaram contra a expansão nuclear. Quando ao gás, a Alemanha defende seu uso, como necessário no período de transição.