Nesta terça-feira 30, o Senado Federal colocará uma pedra definitiva na mais grave crise político-econômica que acometeu o País em 25 anos e que se estende desde 2015. Os 81 senadores decidirão em votação comandada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, se a presidente Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade durante o exercício do mandato e, por isso, deve sofrer impeachment e perder os direitos políticos por oito anos. Todos os cenários projetados tanto por aliados da petista quanto pelo atual governo dão conta de que Dilma terá contra si mais de 60 votos, número superior aos 54 necessários para encerrar sua estada na Presidência.

Na segunda-feira 29, a presidente afastada irá pessoalmente ao Congresso Nacional apresentar sua defesa aos senadores. Será, provavelmente, o seu último ato. Dilma relutava em comparecer porque sempre detestou responder a perguntas, de jornalistas principalmente, tendo sido nesses seis anos de gestão sempre arredia a encontros com a imprensa – ela sempre preferiu falar sem ser questionada. A chefe do Executivo preferia não enfrentar seus julgadores porque sabe que a eloquência e a clareza oral não são os seus fortes e ficou apreensiva sobre como seria seu desempenho.

Mas, por incrível que pareça, um dos argumentos que a dissuadiram consistiu no alerta de que há três documentários sendo rodados sobre o tema e que seria importantíssimo para a narrativa dos filmes que fossem produzidas imagens de uma Dilma emocionada fazendo sua fala derradeira.

Temer amplia aliados O presidente interino consegue em varios contatos ampliar a base de apoio ao seu futuro governo
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O pronunciamento terá a duração de 30 minutos. Como nunca foi afeita a improvisações, usará todo o tempo para ler um longo texto. O conteúdo foi discutido e ensaiado ao longo da última semana com seus poucos auxiliares, como os advogados José Eduardo Cardozo, Jorge Rodrigo Araújo Messias e o ex-ministro Jaques Wagner. Conforme apurou ISTOÉ, Dilma vai usar seu tempo na tribuna para tentar, mais uma vez, se dizer vítima e alvo de uma trama para destituí-la do poder. Vai invocar, mais uma vez, que foi eleita por 54 milhões de votos. Entretanto, não mencionará o fato de que muitos desses eleitores foram enganados por sua espetacular e cinematográfica campanha presidencial, esconderá que sua equipe econômica apresentou uma realidade fictícia no período eleitoral e não revelará, obviamente, que sua campanha pode ter lavado dinheiro desviado de propinas da Petrobras, conforme indicam apurações da Justiça Eleitoral. Embora alardeie seus 54 milhões de votos, Dilma tampouco se importará em mencionar o que escancaram as pesquisas de opinião: a perda consistente de apoio de quem votou nela em 2014, mas mudou de ideia, preferindo-a longe do Palácio do Planalto.

Caiado x Lindberg:   De “desqualificado” a “cheirador” valeu de tudo na baixaria dos senadores
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Esquizofrenia

Em sua missiva final, Dilma lançará mão de outra falácia repetida por ela como ladainha em procissão desde a abertura do processo de impeachment, em abril: que a democracia brasileira corre riscos e que há em curso um golpe ao Estado de Direito. O viés esquizofrênico deste argumento é que ela repetirá essa bravata utilizando o seu constitucional e sempre respeitado direito de defesa. Suas palavras sobre ameaça à democracia serão proferidas diante do chefe do Supremo Tribunal Federal e perante os 81 senadores democraticamente eleitos para representar a população. Terá a coragem de falar sobre desrespeito à doutrina democrática ao fim de um processo que durou nove meses, respeitando a garantia do direito ao contraditório, passando por exaustivos debates e votações em comissões e no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado.

Constarão do texto palavras como “traição”, “deslealdade” e “hipocrisia”. Temer, que enquanto Dilma preparava as últimas palavras, discutia o Brasil real num jantar na casa do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao lado de senadores, também poderá ser citado no discurso.

“Pago o preço de ter apoiado a Lava Jato”, dirá Dilma. Inacreditável como pronunciará palavras tão distantes da realidade dos fatos sem corar a face. Na verdade, o apoio de Dilma à Lava Jato foi da boca para fora. Ou, como diria o ex-senador Delcídio do Amaral, a Lava Jato até tinha sinal verde para atuar, desde que não chegasse nela. Quando começou a se aproximar, foi urdida uma trama para obstruir o trabalho da Justiça, razão pela qual Dilma é hoje formalmente investigada pelo STF.

Por fim, a petista apelará ao tom emocional. A ideia é remontar ao passado de militante que foi presa e torturada resistindo à ditadura. Assessores próximos defendem, inclusive, que ela recorra ao choro, neste momento. Cientes de que a estratégia dela será a de tentar se vitimizar, seus oposicionistas se cercarão de cuidados na hora de formular perguntas. Após seu discurso, os 81 senadores poderão fazer questionamentos à presidente. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, preparou-se para inquiri-la de maneira técnica. As senadoras mulheres, como Ana Amélia (PP-RS) e Simone Tebet (PMDB-MS) são as únicas que admitem subir o tom, já que neste caso será travado um debate “de mulher para mulher”. Na última semana, os trabalhos iniciados pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, foram marcados por um clima extremamente tenso entre os parlamentares. Desde a quinta-feira 25, o País assiste ao vivo a bate-bocas e trocas de ofensas nada republicanas envolvendo os personagens de sempre: os histriônicos senadores petistas Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Lindbergh Farias (PT-RJ), pelo lado dilmista, e Ronaldo Caiado (GO-DEM), representando os governistas. Em várias ocasiões, Lewandowski viu-se obrigado a ameaçar usar o que chamou de “poder de polícia” para controlar a situação. Para os petistas, a margem se estreita a cada átimo de tempo. Caso não haja novas chicanas, e consumado o afastamento definitivo de Dilma, Temer assume a Presidência definitivamente na tarde de quarta-feira 31. Estará sacramentado o fim da era PT.

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Fotos: Alan Marques/Folhapress; DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO; Eugenio Novaes/Folhapress; Marcelo Camargo/Agência Brasil/ANDRé DUSEK/ESTADãO CONTEÚDO