O Retábulo de Ghent, também chamado de “Adoração do Cordeiro Místico”, obra de arte da pintura primitiva flamenga (1432), é uma das mais conhecidas no mundo depois da Mona Lisa e, 600 anos depois, ainda guarda surpresas.

É o que revela a restauração deste políptico dos irmãos Van Eyck, na cidade de Gante, no norte da Bélgica.

“Podemos dizer que isto é equivalente à redescoberta da Capela Sistina após a restauração do teto de Michelangelo”, afirma à AFP Marie Postec, restauradora do Instituto Real do Patrimônio Artístico (IRPA) de Bruxelas.

“A obra original estava escondida por mantos de sujeira. As cores estavam totalmente alteradas. Hoje, acontece a mesma coisa aqui, temos a oportunidade de testemunhar o renascimento de uma obra”, explica a restauradora durante a apresentação da primeira fase de tratamento do Cordeiro.

Há uma semana, os painéis externos do retábulo e suas molduras voltaram à catedral de Saint Bavo, em Gante, província de Flandes oriental, depois de passar quatro anos na sede do IRPA, onde foram estudados. O instituto tinha realizado a última grande restauração desta obra entre 1950 e 1951.

Sobre os oito painéis restaurados – o políptico reúne 24 no total -, pode-se contemplar a Anunciação da Virgem, dois São João (o Evangelista e o Batista, padroeiro de Gante) e os mecenas do quadro: o rico comerciante Joos Vijdt e sua mulher Elisabeth Borluut.

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O Cordeiro Místico, que simboliza o Cristo, aparece no meio dos painéis internos do retábulo. O animal também era o emblema das corporações de negociantes de tecidos quando, na Idade Média, Gante era a capital do comércio de lã na Europa.

Na época, o políptico, cuja interpretação é complexa (mostra, por exemplo, referências ao texto sobre o Apocalipse), era mantido fechado a maior parte do tempo, sendo aberto apenas durante os principais feriados cristãos. A obra aberta mede 3,75 por 5,20 metros.

– Várias camadas de pintura e verniz –

Durante o estudo, a equipe de dez restauradores descobriu que as pinturas sobre madeira que decoravam a parte de trás dos painéis do Cordeiro estavam cobertas com verniz antigo, que tinham se tornado amarelados, e por uma camada espessa de pinturas adicionais que datavam ao menos do século XVII, ou até do XVI.

“Hoje já não se cobre o material original. Antes, os restauradores eram, na realidade, pintores e, em vez de retocar minuciosamente as lacunas, pintavam a figura inteira”, explica Postec.

Para redescobrir o Cordeiro “autêntico” dos irmãos Van Eyck, começado por Hubert e finalizado pelo mais novo, Jean, doze anos depois, foi preciso retirar delicadamente as pinturas adicionais, centímetro por centímetro.

“Não havia espaço por trás, só um fundo preto uniforme. E ao restaurá-lo encontramos um material luminoso. Encontramos também pregas do século XV que tinham sido simplificadas com as repinturas, por isso é uma leitura completamente diferente”, explica a restauradora francesa.

“O vestido da mecenas, por exemplo, tinha sido repintado em um rosa escuro. Hoje é de um rosa muito claro e brilhante”, aponta.

O renascimento do Cordeiro, iniciado em 2012 e 80% financiado pelas autoridades flamengas (1,5 milhões de euros), ainda não foi concluído. A segunda fase deve começar nesta semana.

“Ainda falta restaurar toda a parte interna e, portanto, os painéis inferiores do retábulo aberto já estão no Museu de Belas Artes de Gante (MSK), onde está instalado um ateliê para a restauração desde o início do projeto”, diz Marie Postec.

Estes painéis internos foram temporariamente substituídos por reproduções fotográficas.


O Cordeiro Místico totalmente restaurado deveria estar de volta à catedral de Saint Bavo em 2020, chamado de “ano temático Van Eyck”.

Inteiramente restaurado? Não exatamente. Continuará faltando o painel dos Juízes Justos, que desapareceu misteriosamente em uma noite de abril de 1934, nunca foi encontrado e foi substituído por uma cópia. É um dos enigmas mais fascinantes da História da Arte.

Aliás, a obra de arte de Van Eyck, inscrita no Patrimônio Mundial da Unesco, foi roubada em várias ocasiões ao longo dos séculos.

Sua ressurreição é acompanhada pela exposição “Restauração/Revelação – Os painéis externos do Cordeiro Místico”, que pode ser vista até 28 de maio de 2017 no museu Caermersklooster de Gante.


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