Desde o início de junho, o Brasil vive um clima de instabilidade institucional em razão do vazamento de mensagens que foram surrupiadas dos celulares dos procuradores da República de Curitiba. Elas revelaram conversas sigilosas mantidas entre eles e o ministro da Justiça, Sergio Moro – o que motivou a Polícia Federal a desenvolver uma profunda investigação sobre quem as teria hackeado. Pudera. Os policiais identificaram na violação o propósito de desgastar o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba – que condenou o ex-presidente Lula à prisão – e consequentemente desmoralizar a Lava Jato. Com o desencadeamento da “Operação Spoofing”, esta semana, levando à prisão quatro hackers de São Paulo e interior do estado, a PF está bem perto de esclarecer a motivação do maior crime cibernético já realizado na história do Brasil e que está tomando proporções de uma ameaça à segurança nacional. Até a tarde de quinta-feira 25, só faltava saber quem pagou. Há indícios – e não são poucos – de que quem financiou a quadrilha queria fazer uso político do material.

O chefe da quadrilha, Walter Delgatti Neto, o “Vermelho”, confessou à polícia ter hackeado os celulares de Moro e dos procuradores. Não só. Ele admitiu ter repassado os dados para o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil. Um de seus comparsas, Gustavo Henrique Elias Santos, também preso, afirmou em depoimento à PF que Walter desejava vender os dados para o PT. O partido nega. A PF ainda não sabe dizer se a comercialização foi efetivada ou se era apenas a intenção do criminoso. O fato é que os hackers movimentaram mais de R$ 700 mil nos últimos meses, exatamente no período dos vazamentos. Os policiais querem agora ter provas cabais de quem efetivamente desembolsou o dinheiro. “Vermelho”, que virou colaborador da PF, é um dos que podem ajudar a esclarecer, mas os agentes não seguem apenas esse rastro.

Por ora, as conclusões das investigações são por si só alarmantes. A PF confirma que há fortes indícios de que Walter Delgatti Neto queria mesmo obter vantagens financeiras com a venda do produto dos vazamentos dos telefones de Moro. Essa é hoje a principal linha de investigação. Se ele comercializou, logo alguém bancou. Outros detalhes da organização criminosa desmantelada na “Operação Spoofing” em São Paulo, Araraquara e Ribeirão Preto, onde foram presos os hackers, reforçaram as suspeitas dos agentes federais. Com o casal Gustavo Santos e Suellem Priscila de Oliveira a PF apreendeu R$ 100 mil em dinheiro vivo. Além disso, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) constatou que circulou R$ 627 mil em suas contas entre abril e junho, exatamente o período que corresponde às invasões. Ocorre que Gustavo, um DJ, e sua mulher não poderiam apresentar uma movimentação dessa magnitude. Somadas, suas rendas mensais não chegam a R$ 5 mil.

Os suspeitos justificaram a fortuna movimentada alegando, por meio de seus advogados, que trabalhavam com o mercado de bitcoin, onde obtiveram elevados lucros. Mesmo assim os ganhos financeiros são considerados atípicos, segundo a PF. A defesa de Gustavo Santos seguiu na mesma toada: assegurou que ele amealhou dinheiro com jogos de vídeo game e investiu os recursos em moedas virtuais. A versão sincronizada não colou. Pesa contra eles ainda o fato de todos, sem exceção, já terem experimentado dissabores na polícia. O mais encrencado deles, “Vermelho” foi preso em 2015 sob a acusação de falsidade ideológica, por utilizar documentos falsos e portar remédios controlados e receitas em nome de pacientes. Também responde por crime de estelionato. Isso reforça a tese da PF de que os hackers presos seriam apenas os executores do crime e não os mentores intelectuais da violação dos aparelhos das autoridades.

Para alcançar os idealizadores e possíveis financiadores da operação ilegal, o Ministério Público Federal (MPF) já solicitou a quebra do sigilo bancário e fiscal dos quatro hackers detidos no período de janeiro a julho deste ano. Claro que, hoje, as suspeitas convergem para Gleen Greenwald, do site The Intercept, que teria recebido o material das mãos do hacker, segundo o depoimento do próprio, e divulgado o material. Resta saber se Greenwald pagou pelas mensagens do Telegram e se foi realmente ele o cabeça da operação criminosa. Quando os diálogos vieram à tona, o jornalista americano jurou ter recebido o material de uma “fonte anônima”.

Golpe primário

Os criminosos pareciam bem instruídos. Ao todo, os investigadores detectaram que o grupo realizou 5,6 mil ligações dos aparelhos das vítimas. Foi o caso de Sergio Moro que recebeu telefonemas do seu próprio celular. O erro dos hackers, segundo os agentes da PF, foi terem cometido um “golpe primário”: usaram os computadores nos endereços de IPs registrados nas companhias de celular deles mesmos. “O Brasil não é para amadores”, disse um policial. A forma como os criminosos conseguiram entrar nos celulares das autoridades acendeu a luz de alerta. Em todos os casos, eles capturaram o código de acesso do Telegram Web para conseguir acessar as mensagens nos celulares dos hackeados, com a clonagem pura e simples dos aparelhos. Uma tática relativamente simples, mas que possibilitou aos hackers alcançarem os dados das autoridades. A dúvida é: como eles conseguiram os números dos telefones de Sergio Moro, de Paulo Guedes e até do presidente Bolsonaro? A resposta para essa pergunta pode ser o ponto-chave dos próximos passos da investigação. A uma conclusão os agentes já chegaram: houve um mandante.